quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Brasileiro na Legião Estrangeira - Mauricio A. Preuss

           O paulistano serviu durante cinco anos a unidade de mercenários do exército francês.


A Legião Estrangeira é uma unidade de soldados mercenários que faz parte do Exército francês e aceita o alistamento de voluntários estrangeiros de qualquer país, embora hoje seus efetivos incluam grande número de cidadãos franceses (25% a 35% do total). Ela foi fundada em março de 1831 pelo rei francês Luís Filipe pouco depois de sua chegada ao poder, para ajudar no controle das colônias francesas na África. A corporação tem o costume de manter em segredo os detalhes da identidade e do passado de seus soldados voluntários, além de permitir que se alistem com pseudônimo. O procedimento gerou uma imagem romântica, que retrata a unidade como abrigo de renegados ou pessoas com problemas com a lei em seus países de origem. Mas isso não é necessariamente verdadeiro, como mostra o caso do paulistano Mauricio Arruda Preuss, que serviu na Legião Estrangeira de 1987 a 1992. Trabalhando atualmente no Brasil como piloto de helicóptero, Preuss, de 44 anos, afirma que aprendeu muito com a experiência – mas ele não aconselha ninguém a seguir seus passos. “Eu tive muita sorte de sair vivo e inteiro, mas sei que nem sempre esta é a regra geral”, afirma o piloto na entrevista a seguir.

Por que você resolveu alistar-se na Legião Estrangeira?
Meu fascínio por assuntos militares manifestou-se desde a adolescência. Estudei na Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB), em São Paulo, onde obtive meu certificado de segundo grau. Meus dois anos ali serviram para comparar minhas expectativas com a realidade da vida numa caserna, confirmando assim minha vocação. Foi quando decidi tentar ingressar na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende (RJ). Foram três anos mergulhado em apostilas, mas não conseguia entender a necessidade de tanto conhecimento teórico de matemática, física, química e português para quem se considerava um guerreiro nato e cujo único desejo era usar um fuzil e lançar granadas. O resultado não poderia ser outro. Aos 23 anos, após quatro tentativas de ingresso na Aman, eu já havia passado a idade limite para ser aceito no Exército. Descartando totalmente a possibilidade de não realizar meu sonho, descobri o endereço da Legião Estrangeira, para onde escrevi várias cartas solicitando informações. Numa bela noite, cheguei em casa, sentei-me ao lado de meus pais, que assistiam TV, mostrei a carta que acabara de receber e informei minha decisão. Eles olharam para mim e nada disseram, pois sabiam que não poderiam argumentar com aquele cabeça-dura que geraram. A decisão já estava tomada e nada, nem ninguém, me impediria!


Onde você serviu ou combateu?
Meu contrato teve início no dia 1o de abril de 1987 e terminou em 1o de abril de 1992. Costumo dizer que foram dez anos, e não cinco, pois vivi intensamente aquele período. Após a instrução elementar em Castelnaudary (cidade no sul da França), no 4RE (4o Regimento Estrangeiro), fui designado para a famosa 13DBLE (13a Meia Brigada da Legião Estrangeira), em Djibuti, no extremo oriente africano. A “13”, como é carinhosamente chamada, foi criada em 1940 e passou por uma epopéia durante a Segunda Guerra, iniciada pela campanha da Noruega até as areias escaldantes de Bir Hakein, onde se bateu contra as tropas de Rommel, a Afrikakorps. A 13 é uma das raras unidades do Exército francês que tem o direito de usar o cordão verde e preto alusivo à libertação da França do domínio nazista. Sua tradição de guerrear em clima desértico é mantida até hoje, e os dois anos que estive lá, com suas intermináveis marchas pelo deserto, marcaram minha alma e minha maneira de ver a vida para sempre.
O tempo todo ficou em Djibuti?
Após as peripécias para passar algu­mas semanas de férias escondido no Brasil, retorno para a cidade de Aubagne (sede da Legião Estrangeira) e consigo finalmente minha transferência para o almejado “2o REP” (2o Regimento Estrangeiro de Pára-Quedistas). Disseram-me certa vez que, quando a França precisa de ajuda, ela chama a Legião, e quando a Legião precisa de ajuda, ela chama o 2o REP. Esse é o único regimento da Legião Estrangeira que só aceita voluntários. Localizado na ilha da Córsega, na cidade de Calvi, conta atualmente com um efetivo de 1,6 mil legionários pára-quedistas, divididos em nove companhias. A grande singularidade do 2o REP é a especialização de suas quatro companhias de combate, o que permite seu uso muito além do combate clássico da infantaria pára-quedista.

Como era seu cotidiano como legionário? Existia uma rotina?
A rotina diária de um legionário em tempo de paz se resume a acordar lá pelas 5h da manhã. Após o café da manhã e limpeza da caserna, há a primeira formatura, reunindo todo o regimento, para a leitura das ordens do dia e eventuais comentários do comandante. Em seguida, tem início o footing, corrida matinal de mais ou menos 8 km, feita normalmente de tênis e calção, mas podendo ser também feita com uniforme de combate. Após o banho e um pequeno lanche, outra formatura, agora para a leitura e distribuição das tarefas diárias da vida de um quartel, tais como manutenção dos equipamentos das armas e serviços gerais. Meio-dia é hora do rancho, e ninguém costuma se atrasar, pois a fome não deixa. Dizem que o gasto calórico de um legionário é em torno de 20% maior que o de um soldado do exército francês! Às 13h30, mais uma formatura rápida, pois o serviço iniciado pela manhã tem de ser concluído. E finalmente chega o final do expediente. Aqueles que não estiverem comprometidos disciplinarmente ou com qualquer outro serviço poderão, se autorizados, sair do quartel até as 22h ou eventualmente até a manhã seguinte.
Essa rotina quase nunca dura muito tempo, pois as manobras, os treinos de tiro e os estágios consomem semanas e sempre alguns quilos dos legionários. Enfim, a rotina do legionário é de não ter rotina, de esperar o inesperado e de treinar constantemente para estar sempre no auge de sua forma física, profissional e psicológica.


Você chegou a ser ferido em serviço?
Felizmente, não. Fora alguns arranhões, escoriações e algumas crises de malária, nada sofri de mais sério nos cinco anos. “Em combate, agirá sem paixão e sem raiva, respeitará os inimigos vencidos, não abandonará jamais nem seus mortos, nem seus feridos e nem suas armas.” Este é um dos mandamentos do código de honra do legionário.

Teve algum colega morto ou gravemente ferido em ação?
Lembro-me de um legionário americano em operação no Gabão que foi ferido por uma granada. Ele perdeu vários dedos, uma mão e parte de “outras coisas”. Nunca mais o vi.

Encontrou outros brasileiros servindo como legionários?
Sim, tive a oportunidade de encontrar com vários deles. Durante a instrução inicial em Castelnaudary, logo nos primeiros dias, descobri que dois dos instrutores da companhia em que estava eram brasileiros. Um era ex-professor de geografia e o outro não me lembro ao certo. Eram dois gaúchos muito simpáticos. Na 13 também conheci um carioca fera no vôlei e, ao chegar ao 2o REP, conheci vários outros. Muitos deles ainda estão em serviço e outros já estão tentando a vida aqui fora. Segundo um colega que ainda está de serviço, os brasileiros hoje são a sétima nacionalidade mais numerosa na Legião Estrangeira.

Seus colegas da Legião eram muito barra-pesada?
Por incrível que pareça, o legionário mais barra-pesada que conheci foi um brasileiro de São Paulo, 120 quilos de músculos distribuídos em 1,90 metro de altura de pura encrenca. Era tranqüilo e boa gente com a maioria das pessoas, mas tinha uma certa dificuldade de manter-se calmo com pessoas arrogantes e não suportava que gritassem com ele. Lembro -me de vários legionários que ele mandou para a enfermaria e presenciei dois ingleses que mudaram de calçada ao vê-lo se aproximar e o bar que destruiu na cidade causou grandes gargalhadas entre os brasileiros. De férias no Brasil, conversei com a mãe dele, que, preocupadíssima, me perguntou se ele não corria o risco de se machucar num ambiente tão rude... A última notícia que tivemos dele é que trabalhava como segurança em um cassino em Monte Carlo.

Como avalia sua experiência na Legião? Encorajaria outros jovens a alistar-se como você fez?
A Legião é o lugar onde os fortes ficam fracos e os fracos ficam fortes! Por diversas vezes, bati de encontro com minhas fraquezas, medos e limites, e a cada vez que me levantava, estava um pouco mais fortalecido e confiante de que a diferença entre o vencedor e o perdedor é que o vencedor, ao cair, levantou-se mais uma vez até conseguir o que queria. Agradeço à Legião por ter me acolhido, me quebrado e me construído novamente como um Homem com H maiúsculo que aprendeu a honrar sua palavra independentemente das conseqüências pessoais, a respeitar os outros e a se fazer respeitar. Hoje, acredito que saber viver é um eterno “aprender a morrer”.

 Mas não! Não aconselho ninguém a se alistar na Legião Estrangeira. Eu tive muita sorte de sair vivo e inteiro e sei que nem sempre esta é a regra geral. Por outro lado, sei que existem centenas de jovens que, como eu, quando põem uma idéia na cabeça, nada os faz mudar de idéia. Eu os aconselho fortemente a fazer como fiz: tente ter algum tipo de experiência militar aqui no Brasil, passe pelo dia-a-dia de uma caserna, confirme suas expectativas. Se, depois disso, aquela voz ainda quiser te mandar para a Legião, vá a um psiquiatra! E se nem ele conseguir calar aquela voz, então: Bon voyage!

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