Desde o amanhecer de 3 de junho, porém, o ataque a Bir Hakeim tomara
impulso. O duelo de artilharia começou ao clarear o dia, mas, para
tristeza dos artilheiros franceses, seus canhões de 75 mm foram
incapazes de alcançar os 105 alemães que martelavam a posição. Pela
manhã, dois ingleses apareceram do lado de fora do perímetro. Um deles
era o motorista do infeliz Capitão Tomkins, capturado no dia anterior.
Trazia uma mensagem de Rommel, rabiscada na folha de um bloco de
comunicações alemão. Dizia:
Às tropas de Bir Hakeim
Qualquer resistência ulterior só lhes servirá para aumentar o inútil derramamento de sangue. Vocês sofrerão o mesmo destino das duas brigadas britânicas que há dois dias foram exterminadas em Got el Ualeb. Cessaremos fogo se hastearem a bandeira branca e vierem até nós desarmados.
Assinado: Rommel. General Oberst.
Koenig não respondeu ao ultimato de Rommel. Em vez disso, transmitiu a seus comandantes de unidade uma ordem em que avaliava e dava suas instruções.
1. Devemos esperar um ataque em grande escala, para breve, em que o inimigo virá certamente com aviões, carros-de-combate, artilharia e infantaria.
2. Cumpram o dever sem vacilação, qualquer que seja a situação em que estiverem, junto aos companheiros ou deles isolados.
3. Defendam o terreno a qualquer preço, até que nossa vitória seja completa.
4. Esta ordem tem de ser transmitida claramente a todas as fileiras.
5. A todos, boa sorte.
General Koenig
Na tentativa de quebrar o moral da guarnição, Rommel chamou os Stukas. Entre 11h30 min e 13h30 min, registraram-se quatro ataques, todos desfechados por grande número de aviões. A escassez de munição de 40 mm para os canhões Bofors limitou a resposta dos franceses aos atacantes. O apoio da RAF foi extremamente eficaz. Um grupo de 12 Stukas apareceu sobre a posição no mesmo instante em que chegava uma patrulha de Hurricanes. Sete bombardeiros de mergulho foram derrubados e os aviões britânicos foram embora acompanhados de entusiásticos vivas das tropas em terra.
Embora o ritmo dos bombardeios não diminuísse, não houve ataque sério por terra durante os primeiros dias de junho. Elementos da 90ª Ligeira e da Trieste, embora posicionados em torno de Bir Hakeim, não puderam movimentar-se devido à feroz atividade de patrulhamento dos britânicos. Embora o Alto Comando britânico fosse hostilizado, não abandonou o apoio terrestre aos franceses. Crédito particular cabe à 7a Brigada Motorizada, do Brigadeiro Renton, cujas colunas atacaram a retaguarda alemã.
Os homens que dirigiam os comboios de abastecimento, noite após noite, também merecem menção especial. Tinham de aguardar em território fervilhante de patrulhas alemães e, quando a oportunidade, encontrar o caminho para o interior de Bir Hakeim através dos campos minados que o circundavam. Sem seus esforços, Bir Hakeim poderia ter tido, a despeito da bravura de seus defensores, o mesmo destino da casamata de Sidi Muftah, cuja resistência fora prejudicada pela carência de água e munição.
Na quinta-feira, 4 de junho, o bombardeio de artilharia e aéreo prosseguiu. Como os canhões de 75 mm haviam disparado 2.500 cartuchos no dia anterior e só lhes restavam 500, fizeram apenas disparos ocasionais contra a artilharia inimiga. Uma mensagem de rádio do VIII Exército prometeu que mais munição seria enviada assim que possível e informou a Koenig que uma contra-ofensiva britânica ao “caldeirão” – a malfadada “Operação Aberdeen” – seria desfechada no dia seguinte.
Às 4h30 min de 5 de junho, os alemães fizeram outra tentativa de persuadir os defensores a depor as armas. Um oficial germânico, num caminhão, chegou até as posições ocupadas pela 5a Companhia do 2o Batalhão da Legião e solicitou uma negociação. A sentinela da Legião, por coincidência um alemão, disse ao oficial, claramente, que Koenig proibira qualquer negociação. O oficial foi-se embora muito irritado, mas se afastara apenas alguns metros quando seu veículo atingiu uma mina e parou, em meio a uma nuvem de fumaça. Oficial e motorista saltaram e continuaram a pé.
Durante a noite, a guarnição foi reabastecida de água e munição. Cada homem poderia contar, por três dias, com dois litros de água, e suprimentos para mais três dias de reserva. Seis mil projéteis para os 75 mm também chegaram e a artilharia pode reiniciar seus disparos de contra-bateria. Infelizmente, os alemães estavam usando canhões de 155 mm, que ultrapassavam em muito o alcance dos 75 mm. A artilharia francesa fez um grande esforço para atingir aquelas peças, movendo-se para fora do perímetro, conseguiu apenas impedir que as baterias inimigas se aproximassem mais. Mais tarde, naquele mesmo dia, a infantaria alemã tentou fazer algumas infiltrações, mas foi detida a 1.500 m. de distância pelo 75 mm e morteiros. As baixas alemães foram grandes; o grupo de combate do Coronel Wolz, constituído de unidades leves apoiadas pelos Panzergrenadieren da 90ª Ligeira, foi seriamente atingido.
A posição de Bir Hakeim, com os campos de minas
Em 6 de junho, dia em que Rommel saiu do “caldeiraõ”, o inferno em Bir Hakeim ficou mais quente. Dois poderosos ataques foram desfechados contra o Batalhão do Pacífico, que repeliu ambos, a custa de numerosas baixas. Do oeste, cerca de vinte carros-de-combate chegaram às proximidades do campo minado e dispararam contra a posição. A artilharia respondeu vigorosamente, mas a escassa quantidade de munição limitou os canhões a um disparo por minuto; mais tarde, apenas um canhão em cada bateria pode disparar.
Domingo, 7 de junho, foi um dia relativamente calmo. O bombardeio diminuiu um pouco e registrou-se apenas uma incursão de Stukas. O grupo de vigilância da posição norte, fortemente atacado, viu-se obrigado a recuar para dentro do perímetro principal. Depois do anoitecer, chegou um ansiosamente esperado comboio de munição; 15 veículos, incluindo 2 caminhões com 2.000 litros d’água penetraram as linhas francesas.
O dia 8 de julho amanheceu com denso nevoeiro que encobria tudo e cegava os nossos postos de observação. Atrás da cortina de névoa, podíamos ouvir o chocalhar das lagartas dos carros-de-combate e o vozerio dos soldados de infantaria deslocando-se para o ataque.
Rommel finalmente decidira eliminar Bir Hakeim e, com esse objetivo, mandara poderoso destacamento da 15ª Panzer para ajudar a 90ª Ligeira e a Triestre. Quando o nevoeiro se dissipou, a artilharia alemã abriu fogo com grande violência, concentrando-se sobre um batalhão da Legião. Stukas uivavam sobre as defesas e caças varriam o deserto, metralhando postos de observação e de bateria.
Às 10h55 min, os Pazergrandieren da 15ª Panzer, bem apoiados por carros-de-combate e blindados leves, avançaram contra o setor noroeste. A infantaria alemã deslocava-se com entusiasmo; a cota 186, um trecho importante de terreno relativamente alto, parecia ser o objetivo. O batalhão da Legião saía-se bem, mas foi obrigado a recuar, perdendo muitos homens. Sua 6ª Companhia foi dizimada e teve de ser reforçada pela 22ª Companhia africana. Os transportes Bren da Legião estavam a postos para levar homens ao setor ameaçado da penetração. Sessenta Stukas desfecharam um ataque no começo da tarde, infligindo mais danos à guarnição em apuros, e a infantaria alemã tornou a avançar, antes mesmo que tivesse assentado a poeira levantada pelas bombas lançadas dos terríveis aviões.
O posto de observação de artilharia da Cota 186 silenciara desde antes do meio-dia, prejudicando os disparos dos 75 mm. Outra leva de infantaria inimiga avançou, dessa vez contra o setor da Legião. Toda a frente norte estava sendo violentamente atacada. As linhas do posto de comando de Koenig foram cortadas pelo fogo de artilharia; poeira e fumaça obscureciam a visão geral da batalha. A situação se agravava; muitos canhões antitanque já se encontravam fora de combate; um 75 mm recebeu tiro certeiro e foi reduzido a destroços, bem como sua guarnição. Uma granada alemã atingiu um dos depósitos de munição que, ao explodir, produziu enorme clarão e fragor intenso.
Reunião antes do combate
Koenig enviara repetidas ordens a seus comandantes de unidade, salientando que a infantaria deveria manter-se firme, ainda que ultrapassada por blindados. Insistia para que eles deixassem passar os carros-de-combate, mas contivessem a infantaria alemã que viria atrás deles. Todas as peças de artilharia deveriam concentrar-se em deter os blindados. Finalmente, ordenou que, se fosse inevitável a queda da praça que defendiam, todos os documentos secretos deveriam ser queimados.
Ao anoitecer, o círculo de defensores permanecia intacto, embora seriamente forçado. O Batalhão de Marcha, a noroeste, perdera muito terreno; a 6a Companhia do Batalhão foi retirada para a reserva da brigada, indo ocupar o lugar deixado por ela na linha defensiva a 22ª Companhia norte-africana.
Os dispositivos médicos estavam à beira do colapso, mas a equipe da brigada se multiplicava em esforços para dar atendimento aos feridos, cada vez mais numerosos. A escassez de água não permitia a lavagem dos ferimentos. As substâncias para assepsia dos locais atingidos eram escassas, assim como anestésicos, plasma, sulfa etc. A RAF conseguira lançar de pára-quedas alguns suprimentos médicos, mas o pára-quedas não abriu. Caindo vertiginosamente contra o solo, espatifara-se o material ansiosamente esperado.
Apesar da extrema gravidade da situação, o moral dos defensores da praça permanecia elevado. Compreendiam todos que estava em jogo não apenas o destino de uma encruzilhada de trilhas do deserto, mas muito mais que isso. A verdade é que se Bir Hakeim caísse, Rommel poderia voltar-se contra o resto do VIII Exército, ainda aturdido após a derrota no “caldeirão”, criando complicação muito mais séria. Falhassem os homens das Forças Francesas Livres no cumprimento da ingente tarefa que tinham pela frente e o dobre de finados teria soado para o Exército francês pela segunda vez em dois anos. Evidentemente, após vários dias de luta feroz e a possibilidade de muitos mais, os defensores de Bir Hakeim não romantizavam seu papel. Sede, fome, ferimentos e morte era o que tinham pela frente. Koenig enviou a seguinte mensagem para o comando britânico: “Estamos cercados. Nossos pensamentos estão voltados para vocês. Estamos confiantes. Viva a França Livre!” Na intimidade das páginas de seu diário, de Gaulle confidenciaria: “Bir Hakeim – lágrimas de júbilo, lágrimas de orgulho!”
As diversas nacinalidades nas tropas francesas
Terça-feira, 9 de junho, foi outro dia de sol causticante no deserto. A guarnição, já então muito cansada, tinha os raros momentos de sono constantemente interrompidos por alarmes noturnos e por foguetes luminosos alemães que banhavam de luz fantasmagórica toda a área. Quase sem água, ração e munição, vivíamos na expectativa de mais um ataque, com decidida determinação, ainda que fisicamente extenuados pela defesa titânica. À guisa de prelúdio, os canhões e aviões alemães saturavam a posição com bombas de alto poder explosivo. Os fios telefônicos foram cortados novamente – e não havia mais fio para substituí-los.
Às 13h o ataque se desenvolveu contra o Batalhão do Pacífico e o Batalhão da Legião. A infantaria alemã que avançava era auxiliada por carros-de-combate e canhões de 50 mm que se moviam em estreito apoio e destruíram mais outros de 75 mm. Os alemães abriam caminho lutando obstinadamente e conseguiram enfiar uma cunha entre duas companhias do Batalhão de Marcha. Houve um feroz corpo-a-corpo: um soldado alemão foi abatido a poucos metros de um canhão de 75 mm. Por instantes, parecia que os soldados africanos cederiam à tremenda pressão. Quando o colapso parecia inevitável, ouviu-se um troar vindo da retaguarda: uma das seções de transportes Bren da Legião apareceu apressada. Os legionários estavam relativamente descansados e fecharam a brecha, obrigando a infantaria inimiga a recuar.
Também no sul a guarnição estava sob violento ataque. Parte da 90ª Ligeira alemã, cuja artilharia estivera apoiando o ataque no norte, desviou-se e atacou o Batalhão do Pacífico. Os alemães sofreram seriamente – 250 corpos foram contados na frente das posições do batalhão -, mas, ao amanhecer, eles se haviam estabelecido a pouco mais de 200m do forte. Esses ataques foram acompanhados de tentativas mais sutis para provocar a queda de Bir Hakeim.
Uma mensagem de rádio, supostamente da 7ª Divisão Blindada britânica, chegou ao posto de comando de Koenig. “Estamos sendo atacados”, anunciava desanimadamente, “e não podemos ajudá-los”. Diga ao seu chefe que se renda para evitar mais derramamento de sangue”. A mensagem fora transmitida em inglês incorreto, com traços de sotaque alemão, e não enganou a ninguém. Às 20h, um ataque maciço de Stukas martelou a posição cercada. Uma bomba caiu numa enfermaria, matando 19 feridos. Vários caminhões e grande parte da ração que estava sendo distribuída foram destruídos. O Batalhão do Pacífico sofreu rude golpe – o Tenente-Coronel Broche e seu ajudante, Capitão de Bricourt, foram mortos quando uma granada atingiu o posto de comando do batalhão.
Os atacantes também sofreram pesadas baixas. O grupo de combate do Coronel Hecker, comandante dos sapadores do Panzer, vinha sendo a ponta-de-lança do ataque desde a noite de 8 de junho, e perdera 10 dos seus 11 carros-de-combate e grande parte da infantaria. Hecker fora reforçado pelo Grupo Baade, dois batalhões do 115º Regimento de Panzergrenadieren da 15ª Divisão. Os homens de Baade também foram seriamente maltratados, sobretudo na luta feroz em torno do velho forte situado na extremidade sul da posição.
Ao anoitecer do dia 9, Koenig viu claramente que Bir Hakeim não poderia ser defendida por muito mais tempo. A Cota 186 fora perdida, o que permitia aos alemães dominar o setor do Batalhão da Legião. A situação no sul, em torno do forte, também era crítica. As perdas, em homens e equipamento, haviam sido elevadas e a permanente escassez de munição era fonte constante de preocupação. Koenig viu-se diante de difícil decisão: permanecer em Bir Hakeim e correr o risco de aniquilamento total, em futuro próximo, ou tentar escapar. Ritchie sempre exortara Koenig a resistir, mas, ainda na tarde de 9 de junho, a 7ª Divisão Blindada britânica perguntou-lhe, pelo rádio, se ele considerava aconselhável sair dali. Koenig manifestou-se favorável a retirada, desde que houvesse transporte suficiente para todos os feridos. Como a 7ª Blindada não dispunha de veículos suficientes na noite de 9 para 10 de junho, decidiu-se que a tentativa seria feita na noite seguinte.
Em 10 de junho, o grupo de combate do Coronel Baade fez, ao norte, considerável progresso, penetrando na principal linha de defesa. A seção de carretas transportadoras de Bren do Tenente Dewey, da Legião, lançou-se ao contra-ataque, seguindo-se luta violenta. O próprio Rommel se encontrava na companhia do Grupo Baade, naquele momento, e referindo-se à ferocidade do combate, disse: “Os franceses defendiam desesperadamente cada ninho de resistência e, com isso, sofriam baixas terríveis”.
Num esforço supremo, os legionários de Dewey conseguiram conter a penetração. No meio da manhã, 110 aviões submeteram a posição a terrível castigo. Nada menos que 130 toneladas de bombas caíram sobre Bir Hakeim durante aquele dia.
À noite, Rommel informou ao Alto Comando, na Alemanha, que Bir Hakeim cairia no dia seguinte. Sem dúvida isso chegava bem a tempo para Kesselring, pois ele via as perdas da Luftwaffe naquele setor com crescente desalento. Já insistira junto a Rommel para que vencesse os franceses com os carros, de modo a poupar a arma aérea; Rommel acertadamente, calculara que um ataque maciço de carros-de-combate a Bir Hakeim só poderia resultar em grandes perdas de blindados nos campos minados. Por isso estava convencido de que mais um esforço levaria os franceses ao colapso, o que era bem provável.
Durante o dia 10, os morteiros da guarnição haviam disparado a última munição; para os canhões restavam apenas uns poucos cartuchos. Enquanto os alemães se preparavam para o ataque decisivo, Koenig cuidava da retirada.
A retirada é das situações mais difíceis numa guerra, quase sempre realizada com o moral da tropa muito baixo – diga-se, a bem da verdade, que não era o caso dos franceses livres. Requer planejamento meticuloso e um cronograma cuidadosamente calculado. Um pequeno erro pode causar não apenas ligeiro revés tático, mas grande desastre. A noite é o momento para realizá-la, embora a escuridão aumente bastante os problemas de controle e navegação.
Os riscos que os franceses teriam que enfrentar na retirada de Bir Hakeim eram numerosos. Seria preciso conduzir uma grande força, com transporte e equipamento, através de campos minados e à frente do inimigo – sempre vigilante – para fora de Bir Hakeim. O melhor caminho de saída era em direção leste, pelas posições da Legião. Koenig, no entanto, decidiu não usá-lo, pois os alemães sabiam ser esta a mais provável linha de retirada. Assim, deu ordens para abrir uma passagem de 150 metros de largura no campo minado ocidental, logo ao norte do velho forte. A 7ª Brigada Motorizada forneceria caminhões e ambulâncias, que aguardariam por Koenig no deserto, oito quilômetros a sudeste de Bir Hakeim. Uma ordem de operações detalhada delineava todo o plano. As unidades que se encontravam em contato como inimigo ficariam para trás até o último momento; duas companhias permaneceriam com o grupo de despistamento. O equipamento que não pudesse ser retirado seria destruído. Os documentos secretos foram colocados na viatura de Keonig, à exceção de uns poucos, mais importantes, que ficaram na pasta do Tenente-Coronel Masson.
Entretanto, como acontece em tantas operações militares, as coisas não saíram de acordo com os planos. O carregamento dos veículos demorou mais do que o esperado, a comunicação entre Keonig e seus comandantes de unidade e destes com suas subunidades era difícil. Às 20h30 min, os primeiros elementos – o comboio médico – iniciaram a retirada. Seguiram-se o Batalhão do Pacífico e um Batalhão da Legião. Os fuzileiros da Marinha encontraram problemas com a orientação noturna, um dos canhões que levavam e seu veículo de reboque caíram num grande buraco e tiveram de ser deixados para trás. A artilharia alemã contribuía para o caos, abrindo fogo e incendiando vários veículos, as chamas iluminavam tudo. Foi um pesadelo.
Granadas explodiam nas defesas abandonadas e foguetes luminosos lançados de pára-quedas, voejavam sobre a paisagem árida. De ambos os flancos, o fogo de metralhadoras era incessante. Grupos de infantaria empenhavam-se numa luta confusa. O aspirante Bellec, responsável pela orientação da coluna do quartel-general, entrou num campo minado. Fez algumas tentativas para passar, mas houve explosões. Koenig mandou que o grupo se desviasse para o sul, a fim de evitar as minas. Por volta das 3h, alcançou o corpo principal da brigada, que fora retardado por vigorosa oposição dos alemães. Keonig incumbiu o Capitão Lamaze de abrir caminho para a coluna, houve um combate penoso, no qual pereceram o capitão e o arrojado Tenente Dewey. Vários veículos se incendiaram, mas a brigada conseguiu reiniciar o deslocamento, embora tivesse perdido a coesão e fosse totalmente impossível reagrupar. Não obstante, a maior parte da guarnição, de um modo ou de outro, conseguiu chegar ao lcoal de encontro com a 7ª Brigada Motorizada.
Patrulha no deserto
De início parecia que as baixas tinham sido muito grandes. Às 7h do dia 11, Koenig e Amilakvari estavam desaparecidos e menos de 1.500 soldados haviam chegado às linhas britânicas. Com o passar das horas, o quadro foi melhorando. Às 8h, a 7ª Brigada Motorizada comunicou que dois mil soldados franceses tinham chegado a salvo.
A defesa de Bir Hakeim teve a grande vantagem de dar tempo ao VIII Exército. Rommel só ficou pronto para iniciar suas operações na tarde de 11 de junho. (...)
O rompimento do cerco de Bir Hakeim, naquela noite negra, perde-se num misto indefinido de recordações. Um sem-número de batalhas em toda a extensão da linha confunde-se com as aventuras individuais e com atos de inexcedível heroísmo.
Nota do GrandesGuerras: o autor servia no 3º pelotão da 3ª Companhia do 1º Batalhão da Legião estrangeira, ligado à 13ª Meia-Brigada da Legião, com honras de combate de Camerone, 1863; Bergevik-Narvik, 1940; Kerem-Massaoua, 1941 e o batalhão sendo comandado pelo Capitão Paris de Bolladière.
O texto reproduzido aqui, por gentil autorização do autor, é parte do capítulo Bir Hakeim do livro, mas não a íntegra do mesmo. Recomendamos a compra do livro, que trata do recrutamento, treinamento e serviço do autor na Legião Estrangeira, bem como outras aventuras durante e depois da guerra.
Às tropas de Bir Hakeim
Qualquer resistência ulterior só lhes servirá para aumentar o inútil derramamento de sangue. Vocês sofrerão o mesmo destino das duas brigadas britânicas que há dois dias foram exterminadas em Got el Ualeb. Cessaremos fogo se hastearem a bandeira branca e vierem até nós desarmados.
Assinado: Rommel. General Oberst.
Koenig não respondeu ao ultimato de Rommel. Em vez disso, transmitiu a seus comandantes de unidade uma ordem em que avaliava e dava suas instruções.
1. Devemos esperar um ataque em grande escala, para breve, em que o inimigo virá certamente com aviões, carros-de-combate, artilharia e infantaria.
2. Cumpram o dever sem vacilação, qualquer que seja a situação em que estiverem, junto aos companheiros ou deles isolados.
3. Defendam o terreno a qualquer preço, até que nossa vitória seja completa.
4. Esta ordem tem de ser transmitida claramente a todas as fileiras.
5. A todos, boa sorte.
General Koenig
Na tentativa de quebrar o moral da guarnição, Rommel chamou os Stukas. Entre 11h30 min e 13h30 min, registraram-se quatro ataques, todos desfechados por grande número de aviões. A escassez de munição de 40 mm para os canhões Bofors limitou a resposta dos franceses aos atacantes. O apoio da RAF foi extremamente eficaz. Um grupo de 12 Stukas apareceu sobre a posição no mesmo instante em que chegava uma patrulha de Hurricanes. Sete bombardeiros de mergulho foram derrubados e os aviões britânicos foram embora acompanhados de entusiásticos vivas das tropas em terra.
Embora o ritmo dos bombardeios não diminuísse, não houve ataque sério por terra durante os primeiros dias de junho. Elementos da 90ª Ligeira e da Trieste, embora posicionados em torno de Bir Hakeim, não puderam movimentar-se devido à feroz atividade de patrulhamento dos britânicos. Embora o Alto Comando britânico fosse hostilizado, não abandonou o apoio terrestre aos franceses. Crédito particular cabe à 7a Brigada Motorizada, do Brigadeiro Renton, cujas colunas atacaram a retaguarda alemã.
Os homens que dirigiam os comboios de abastecimento, noite após noite, também merecem menção especial. Tinham de aguardar em território fervilhante de patrulhas alemães e, quando a oportunidade, encontrar o caminho para o interior de Bir Hakeim através dos campos minados que o circundavam. Sem seus esforços, Bir Hakeim poderia ter tido, a despeito da bravura de seus defensores, o mesmo destino da casamata de Sidi Muftah, cuja resistência fora prejudicada pela carência de água e munição.
Na quinta-feira, 4 de junho, o bombardeio de artilharia e aéreo prosseguiu. Como os canhões de 75 mm haviam disparado 2.500 cartuchos no dia anterior e só lhes restavam 500, fizeram apenas disparos ocasionais contra a artilharia inimiga. Uma mensagem de rádio do VIII Exército prometeu que mais munição seria enviada assim que possível e informou a Koenig que uma contra-ofensiva britânica ao “caldeirão” – a malfadada “Operação Aberdeen” – seria desfechada no dia seguinte.
Às 4h30 min de 5 de junho, os alemães fizeram outra tentativa de persuadir os defensores a depor as armas. Um oficial germânico, num caminhão, chegou até as posições ocupadas pela 5a Companhia do 2o Batalhão da Legião e solicitou uma negociação. A sentinela da Legião, por coincidência um alemão, disse ao oficial, claramente, que Koenig proibira qualquer negociação. O oficial foi-se embora muito irritado, mas se afastara apenas alguns metros quando seu veículo atingiu uma mina e parou, em meio a uma nuvem de fumaça. Oficial e motorista saltaram e continuaram a pé.
Durante a noite, a guarnição foi reabastecida de água e munição. Cada homem poderia contar, por três dias, com dois litros de água, e suprimentos para mais três dias de reserva. Seis mil projéteis para os 75 mm também chegaram e a artilharia pode reiniciar seus disparos de contra-bateria. Infelizmente, os alemães estavam usando canhões de 155 mm, que ultrapassavam em muito o alcance dos 75 mm. A artilharia francesa fez um grande esforço para atingir aquelas peças, movendo-se para fora do perímetro, conseguiu apenas impedir que as baterias inimigas se aproximassem mais. Mais tarde, naquele mesmo dia, a infantaria alemã tentou fazer algumas infiltrações, mas foi detida a 1.500 m. de distância pelo 75 mm e morteiros. As baixas alemães foram grandes; o grupo de combate do Coronel Wolz, constituído de unidades leves apoiadas pelos Panzergrenadieren da 90ª Ligeira, foi seriamente atingido.
A posição de Bir Hakeim, com os campos de minas
Em 6 de junho, dia em que Rommel saiu do “caldeiraõ”, o inferno em Bir Hakeim ficou mais quente. Dois poderosos ataques foram desfechados contra o Batalhão do Pacífico, que repeliu ambos, a custa de numerosas baixas. Do oeste, cerca de vinte carros-de-combate chegaram às proximidades do campo minado e dispararam contra a posição. A artilharia respondeu vigorosamente, mas a escassa quantidade de munição limitou os canhões a um disparo por minuto; mais tarde, apenas um canhão em cada bateria pode disparar.
Domingo, 7 de junho, foi um dia relativamente calmo. O bombardeio diminuiu um pouco e registrou-se apenas uma incursão de Stukas. O grupo de vigilância da posição norte, fortemente atacado, viu-se obrigado a recuar para dentro do perímetro principal. Depois do anoitecer, chegou um ansiosamente esperado comboio de munição; 15 veículos, incluindo 2 caminhões com 2.000 litros d’água penetraram as linhas francesas.
O dia 8 de julho amanheceu com denso nevoeiro que encobria tudo e cegava os nossos postos de observação. Atrás da cortina de névoa, podíamos ouvir o chocalhar das lagartas dos carros-de-combate e o vozerio dos soldados de infantaria deslocando-se para o ataque.
Rommel finalmente decidira eliminar Bir Hakeim e, com esse objetivo, mandara poderoso destacamento da 15ª Panzer para ajudar a 90ª Ligeira e a Triestre. Quando o nevoeiro se dissipou, a artilharia alemã abriu fogo com grande violência, concentrando-se sobre um batalhão da Legião. Stukas uivavam sobre as defesas e caças varriam o deserto, metralhando postos de observação e de bateria.
Às 10h55 min, os Pazergrandieren da 15ª Panzer, bem apoiados por carros-de-combate e blindados leves, avançaram contra o setor noroeste. A infantaria alemã deslocava-se com entusiasmo; a cota 186, um trecho importante de terreno relativamente alto, parecia ser o objetivo. O batalhão da Legião saía-se bem, mas foi obrigado a recuar, perdendo muitos homens. Sua 6ª Companhia foi dizimada e teve de ser reforçada pela 22ª Companhia africana. Os transportes Bren da Legião estavam a postos para levar homens ao setor ameaçado da penetração. Sessenta Stukas desfecharam um ataque no começo da tarde, infligindo mais danos à guarnição em apuros, e a infantaria alemã tornou a avançar, antes mesmo que tivesse assentado a poeira levantada pelas bombas lançadas dos terríveis aviões.
O posto de observação de artilharia da Cota 186 silenciara desde antes do meio-dia, prejudicando os disparos dos 75 mm. Outra leva de infantaria inimiga avançou, dessa vez contra o setor da Legião. Toda a frente norte estava sendo violentamente atacada. As linhas do posto de comando de Koenig foram cortadas pelo fogo de artilharia; poeira e fumaça obscureciam a visão geral da batalha. A situação se agravava; muitos canhões antitanque já se encontravam fora de combate; um 75 mm recebeu tiro certeiro e foi reduzido a destroços, bem como sua guarnição. Uma granada alemã atingiu um dos depósitos de munição que, ao explodir, produziu enorme clarão e fragor intenso.
Reunião antes do combate
Koenig enviara repetidas ordens a seus comandantes de unidade, salientando que a infantaria deveria manter-se firme, ainda que ultrapassada por blindados. Insistia para que eles deixassem passar os carros-de-combate, mas contivessem a infantaria alemã que viria atrás deles. Todas as peças de artilharia deveriam concentrar-se em deter os blindados. Finalmente, ordenou que, se fosse inevitável a queda da praça que defendiam, todos os documentos secretos deveriam ser queimados.
Ao anoitecer, o círculo de defensores permanecia intacto, embora seriamente forçado. O Batalhão de Marcha, a noroeste, perdera muito terreno; a 6a Companhia do Batalhão foi retirada para a reserva da brigada, indo ocupar o lugar deixado por ela na linha defensiva a 22ª Companhia norte-africana.
Os dispositivos médicos estavam à beira do colapso, mas a equipe da brigada se multiplicava em esforços para dar atendimento aos feridos, cada vez mais numerosos. A escassez de água não permitia a lavagem dos ferimentos. As substâncias para assepsia dos locais atingidos eram escassas, assim como anestésicos, plasma, sulfa etc. A RAF conseguira lançar de pára-quedas alguns suprimentos médicos, mas o pára-quedas não abriu. Caindo vertiginosamente contra o solo, espatifara-se o material ansiosamente esperado.
Apesar da extrema gravidade da situação, o moral dos defensores da praça permanecia elevado. Compreendiam todos que estava em jogo não apenas o destino de uma encruzilhada de trilhas do deserto, mas muito mais que isso. A verdade é que se Bir Hakeim caísse, Rommel poderia voltar-se contra o resto do VIII Exército, ainda aturdido após a derrota no “caldeirão”, criando complicação muito mais séria. Falhassem os homens das Forças Francesas Livres no cumprimento da ingente tarefa que tinham pela frente e o dobre de finados teria soado para o Exército francês pela segunda vez em dois anos. Evidentemente, após vários dias de luta feroz e a possibilidade de muitos mais, os defensores de Bir Hakeim não romantizavam seu papel. Sede, fome, ferimentos e morte era o que tinham pela frente. Koenig enviou a seguinte mensagem para o comando britânico: “Estamos cercados. Nossos pensamentos estão voltados para vocês. Estamos confiantes. Viva a França Livre!” Na intimidade das páginas de seu diário, de Gaulle confidenciaria: “Bir Hakeim – lágrimas de júbilo, lágrimas de orgulho!”
As diversas nacinalidades nas tropas francesas
Terça-feira, 9 de junho, foi outro dia de sol causticante no deserto. A guarnição, já então muito cansada, tinha os raros momentos de sono constantemente interrompidos por alarmes noturnos e por foguetes luminosos alemães que banhavam de luz fantasmagórica toda a área. Quase sem água, ração e munição, vivíamos na expectativa de mais um ataque, com decidida determinação, ainda que fisicamente extenuados pela defesa titânica. À guisa de prelúdio, os canhões e aviões alemães saturavam a posição com bombas de alto poder explosivo. Os fios telefônicos foram cortados novamente – e não havia mais fio para substituí-los.
Às 13h o ataque se desenvolveu contra o Batalhão do Pacífico e o Batalhão da Legião. A infantaria alemã que avançava era auxiliada por carros-de-combate e canhões de 50 mm que se moviam em estreito apoio e destruíram mais outros de 75 mm. Os alemães abriam caminho lutando obstinadamente e conseguiram enfiar uma cunha entre duas companhias do Batalhão de Marcha. Houve um feroz corpo-a-corpo: um soldado alemão foi abatido a poucos metros de um canhão de 75 mm. Por instantes, parecia que os soldados africanos cederiam à tremenda pressão. Quando o colapso parecia inevitável, ouviu-se um troar vindo da retaguarda: uma das seções de transportes Bren da Legião apareceu apressada. Os legionários estavam relativamente descansados e fecharam a brecha, obrigando a infantaria inimiga a recuar.
Também no sul a guarnição estava sob violento ataque. Parte da 90ª Ligeira alemã, cuja artilharia estivera apoiando o ataque no norte, desviou-se e atacou o Batalhão do Pacífico. Os alemães sofreram seriamente – 250 corpos foram contados na frente das posições do batalhão -, mas, ao amanhecer, eles se haviam estabelecido a pouco mais de 200m do forte. Esses ataques foram acompanhados de tentativas mais sutis para provocar a queda de Bir Hakeim.
Uma mensagem de rádio, supostamente da 7ª Divisão Blindada britânica, chegou ao posto de comando de Koenig. “Estamos sendo atacados”, anunciava desanimadamente, “e não podemos ajudá-los”. Diga ao seu chefe que se renda para evitar mais derramamento de sangue”. A mensagem fora transmitida em inglês incorreto, com traços de sotaque alemão, e não enganou a ninguém. Às 20h, um ataque maciço de Stukas martelou a posição cercada. Uma bomba caiu numa enfermaria, matando 19 feridos. Vários caminhões e grande parte da ração que estava sendo distribuída foram destruídos. O Batalhão do Pacífico sofreu rude golpe – o Tenente-Coronel Broche e seu ajudante, Capitão de Bricourt, foram mortos quando uma granada atingiu o posto de comando do batalhão.
Os atacantes também sofreram pesadas baixas. O grupo de combate do Coronel Hecker, comandante dos sapadores do Panzer, vinha sendo a ponta-de-lança do ataque desde a noite de 8 de junho, e perdera 10 dos seus 11 carros-de-combate e grande parte da infantaria. Hecker fora reforçado pelo Grupo Baade, dois batalhões do 115º Regimento de Panzergrenadieren da 15ª Divisão. Os homens de Baade também foram seriamente maltratados, sobretudo na luta feroz em torno do velho forte situado na extremidade sul da posição.
Ao anoitecer do dia 9, Koenig viu claramente que Bir Hakeim não poderia ser defendida por muito mais tempo. A Cota 186 fora perdida, o que permitia aos alemães dominar o setor do Batalhão da Legião. A situação no sul, em torno do forte, também era crítica. As perdas, em homens e equipamento, haviam sido elevadas e a permanente escassez de munição era fonte constante de preocupação. Koenig viu-se diante de difícil decisão: permanecer em Bir Hakeim e correr o risco de aniquilamento total, em futuro próximo, ou tentar escapar. Ritchie sempre exortara Koenig a resistir, mas, ainda na tarde de 9 de junho, a 7ª Divisão Blindada britânica perguntou-lhe, pelo rádio, se ele considerava aconselhável sair dali. Koenig manifestou-se favorável a retirada, desde que houvesse transporte suficiente para todos os feridos. Como a 7ª Blindada não dispunha de veículos suficientes na noite de 9 para 10 de junho, decidiu-se que a tentativa seria feita na noite seguinte.
Em 10 de junho, o grupo de combate do Coronel Baade fez, ao norte, considerável progresso, penetrando na principal linha de defesa. A seção de carretas transportadoras de Bren do Tenente Dewey, da Legião, lançou-se ao contra-ataque, seguindo-se luta violenta. O próprio Rommel se encontrava na companhia do Grupo Baade, naquele momento, e referindo-se à ferocidade do combate, disse: “Os franceses defendiam desesperadamente cada ninho de resistência e, com isso, sofriam baixas terríveis”.
Num esforço supremo, os legionários de Dewey conseguiram conter a penetração. No meio da manhã, 110 aviões submeteram a posição a terrível castigo. Nada menos que 130 toneladas de bombas caíram sobre Bir Hakeim durante aquele dia.
À noite, Rommel informou ao Alto Comando, na Alemanha, que Bir Hakeim cairia no dia seguinte. Sem dúvida isso chegava bem a tempo para Kesselring, pois ele via as perdas da Luftwaffe naquele setor com crescente desalento. Já insistira junto a Rommel para que vencesse os franceses com os carros, de modo a poupar a arma aérea; Rommel acertadamente, calculara que um ataque maciço de carros-de-combate a Bir Hakeim só poderia resultar em grandes perdas de blindados nos campos minados. Por isso estava convencido de que mais um esforço levaria os franceses ao colapso, o que era bem provável.
Durante o dia 10, os morteiros da guarnição haviam disparado a última munição; para os canhões restavam apenas uns poucos cartuchos. Enquanto os alemães se preparavam para o ataque decisivo, Koenig cuidava da retirada.
A retirada é das situações mais difíceis numa guerra, quase sempre realizada com o moral da tropa muito baixo – diga-se, a bem da verdade, que não era o caso dos franceses livres. Requer planejamento meticuloso e um cronograma cuidadosamente calculado. Um pequeno erro pode causar não apenas ligeiro revés tático, mas grande desastre. A noite é o momento para realizá-la, embora a escuridão aumente bastante os problemas de controle e navegação.
Os riscos que os franceses teriam que enfrentar na retirada de Bir Hakeim eram numerosos. Seria preciso conduzir uma grande força, com transporte e equipamento, através de campos minados e à frente do inimigo – sempre vigilante – para fora de Bir Hakeim. O melhor caminho de saída era em direção leste, pelas posições da Legião. Koenig, no entanto, decidiu não usá-lo, pois os alemães sabiam ser esta a mais provável linha de retirada. Assim, deu ordens para abrir uma passagem de 150 metros de largura no campo minado ocidental, logo ao norte do velho forte. A 7ª Brigada Motorizada forneceria caminhões e ambulâncias, que aguardariam por Koenig no deserto, oito quilômetros a sudeste de Bir Hakeim. Uma ordem de operações detalhada delineava todo o plano. As unidades que se encontravam em contato como inimigo ficariam para trás até o último momento; duas companhias permaneceriam com o grupo de despistamento. O equipamento que não pudesse ser retirado seria destruído. Os documentos secretos foram colocados na viatura de Keonig, à exceção de uns poucos, mais importantes, que ficaram na pasta do Tenente-Coronel Masson.
Entretanto, como acontece em tantas operações militares, as coisas não saíram de acordo com os planos. O carregamento dos veículos demorou mais do que o esperado, a comunicação entre Keonig e seus comandantes de unidade e destes com suas subunidades era difícil. Às 20h30 min, os primeiros elementos – o comboio médico – iniciaram a retirada. Seguiram-se o Batalhão do Pacífico e um Batalhão da Legião. Os fuzileiros da Marinha encontraram problemas com a orientação noturna, um dos canhões que levavam e seu veículo de reboque caíram num grande buraco e tiveram de ser deixados para trás. A artilharia alemã contribuía para o caos, abrindo fogo e incendiando vários veículos, as chamas iluminavam tudo. Foi um pesadelo.
Granadas explodiam nas defesas abandonadas e foguetes luminosos lançados de pára-quedas, voejavam sobre a paisagem árida. De ambos os flancos, o fogo de metralhadoras era incessante. Grupos de infantaria empenhavam-se numa luta confusa. O aspirante Bellec, responsável pela orientação da coluna do quartel-general, entrou num campo minado. Fez algumas tentativas para passar, mas houve explosões. Koenig mandou que o grupo se desviasse para o sul, a fim de evitar as minas. Por volta das 3h, alcançou o corpo principal da brigada, que fora retardado por vigorosa oposição dos alemães. Keonig incumbiu o Capitão Lamaze de abrir caminho para a coluna, houve um combate penoso, no qual pereceram o capitão e o arrojado Tenente Dewey. Vários veículos se incendiaram, mas a brigada conseguiu reiniciar o deslocamento, embora tivesse perdido a coesão e fosse totalmente impossível reagrupar. Não obstante, a maior parte da guarnição, de um modo ou de outro, conseguiu chegar ao lcoal de encontro com a 7ª Brigada Motorizada.
Patrulha no deserto
De início parecia que as baixas tinham sido muito grandes. Às 7h do dia 11, Koenig e Amilakvari estavam desaparecidos e menos de 1.500 soldados haviam chegado às linhas britânicas. Com o passar das horas, o quadro foi melhorando. Às 8h, a 7ª Brigada Motorizada comunicou que dois mil soldados franceses tinham chegado a salvo.
A defesa de Bir Hakeim teve a grande vantagem de dar tempo ao VIII Exército. Rommel só ficou pronto para iniciar suas operações na tarde de 11 de junho. (...)
O rompimento do cerco de Bir Hakeim, naquela noite negra, perde-se num misto indefinido de recordações. Um sem-número de batalhas em toda a extensão da linha confunde-se com as aventuras individuais e com atos de inexcedível heroísmo.
Nota do GrandesGuerras: o autor servia no 3º pelotão da 3ª Companhia do 1º Batalhão da Legião estrangeira, ligado à 13ª Meia-Brigada da Legião, com honras de combate de Camerone, 1863; Bergevik-Narvik, 1940; Kerem-Massaoua, 1941 e o batalhão sendo comandado pelo Capitão Paris de Bolladière.
O texto reproduzido aqui, por gentil autorização do autor, é parte do capítulo Bir Hakeim do livro, mas não a íntegra do mesmo. Recomendamos a compra do livro, que trata do recrutamento, treinamento e serviço do autor na Legião Estrangeira, bem como outras aventuras durante e depois da guerra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário