A descrição detalhada dos acontecimentos, embora longa, faz-se
necessária para uma visão abrangente do que foram os terríveis combates
na frente da Linha de Gazala e a defesa do reduto de Bir Hakeim.
A guarnição movimentava-se em direção a oeste, contornando as linhas inimigas, para alcançar o ponto de encontro fixado pela 7ª Brigada britânica. Alguns elementos conseguiram passar sem luta, outros foram obrigados a combater e só chegaram ao ponto de encontro aos poucos, às vezes um a um. O General Koenig partira, conduzido por sua motorista Susan Traveys, que lá continuava desobedecendo friamente à ordem de abandonar Bir Hakeim dada às auxiliares inglesas que serviam na 1ª Brigada dos Franceses Livres. Koenig chegou ao local do reagrupamento após ter estado, por várias vezes, à beira do cativeiro e da morte. O mesmo aconteceu ao Tenente-Coronel Amilakvari e ao Capitão Messmer, outros grandes heróis dessa epopéia. Anos depois Messmer seria Ministro da Guerra do General de Gaulle e, posteriormente, Primeiro-Ministro da França, no governo do Presidente Georges Pompidou.
A luz dos foguetes, dos projéteis luminosos e traçadores e das explosões das minas projetava-se, no deserto, como fogos de artifício a se prolongarem pela noite. A despeito da algazarra, Rommel não acreditou em uma retirada geral e, ao romper da aurora, bombardeou Bir Hakeim, onde só restava um punhado de homens, em sua maioria feridos. Dois terços da 1ª Brigada dos Franceses Livres conseguiram arrancar-se da situação difícil. Foi após a luta desesperada de Bir Hakeim que a França reencontrou sua alma e que o movimento de resistência tomou impulso.
Trincheira em Bir Hakeim
No dia 11 de junho, pela manhã, minha unidade recebeu ordens para retornar, patrulhando, até as proximidades de Gambut e juntar-se a uma coluna semi-blindada britânica, que vinha na direção de Sidi Rezegh. Preparamo-nos para cumprir a missão e partimos às 14h. Além do armamento normal, levávamos, cada um, mais quatro granadas presas na cintura.
Ao escurecer, observamos ao longe foguetes coloridos, assinalando a presença da coluna que procurávamos. Ou melhor, assim pensamos, mas, quando nos aproximamos, noite fechada, fomos cercados por uma coluna alemã que também patrulhava a área. Os soldados nos cercaram e um oficial gritou em francês: “larguem as armas! Saltem todos dos caminhões!”
Caíramos numa armadilha e, horrorizados, víamo-nos aprisionados pelo inimigo. Alguns legionários pularam dos caminhões, inclusive os do meu pelotão, mas não nos conformávamos com o que estava acontecendo. De repente, na escuridão da noite, um legionário do 2º pelotão, abissínio, ao saltar do caminhão, conseguiu tirar o pino de uma granada e atirá-la na direção dos alemães. Os alemães se espalharam atirando e nós também. No tumulto, ouvi nosso tenente gritar: “Salvem-se como puderem! Corram para os caminhões!”
Em debandada, corremos para os caminhões que já estavam em movimento, tentando fugir. A fuzilaria era intensa. As balas passavam zunindo por todos os lados. Parei um instante, joguei uma granada na direção dos que atiravam contra nós e disparei para pegar o caminhão, onde já se encontravam alguns companheiros do meu pelotão gritando por mim. Corri como um louco e consegui agarrar-me a tampa traseira da carroceria, mas não tive força para subir e deixei-me arrastar, gritando por ajuda. Agarrando com força e gritando, fui sendo levado pelo caminhão em disparada, ouvindo o zumbido das balas que passavam. Foi um horror!...
Quase perdendo as forças, finalmente consegui passar a mão direita por dentro da folga da corrente que prendia a tampa traseira na carroceria e senti mais firmeza. Deixei-me arrastar continuando a gritar por ajuda. Nisso ouvi forte explosão do lado direito. O caminhão que corria próximo ao nosso fora atingido por um tiro de canhão e explodira em chamas. Outra explosão, bem perto, também não nos atingiu. Quando já nos distanciáramos e a situação parecia mais calma, meu amigo Marcheval veio ao meu socorro puxando-me para dentro do caminhão pela camisa, que ficou completamente rasgada. Caí no chão da carroceria completamente esgotado, sentindo uma dor muito forte no pulso da mão direita, que prendera na corrente da tampa traseira.
O caminhão, aos solavancos, continuava em, alta velocidade Dez minutos depois, bateu com violência na borda de um enorme buraco, jogando-nos uns contra os outros numa confusão dos diabos. Não mais andou; com a forte batia, a suspensão dianteira ficara danifica e tivemos que abandoná-lo.
Só a claridade das estrelas nos iluminava. Antes de pularmos do caminhão, percebemos que os alemães ainda nos perseguiam. Para nós, legionários, era humilhante não enfrentá-los, mas não havia alternativa senão a de escapar daquela situação e nos juntarmos ao restante da brigada. A prioridade era voltar ao combate. Se resolvêssemos parar e lutar, nosso sacrifício seria em vão. Apressados, pegamos nossas armas e tudo que nos foi possível encontrar naquela balbúrdia e no escuro. Pulamos do caminhão e disparamos a correr pelo deserto.
Tripulantes de blindados italianos, mortos em combate
A princípio, ficamos desorientados. Não identificávamos bem nossa posição, mas o tenente decidiu seguir em direção ao norte, rumo ao litoral. Quando amanheceu, fizemos um balanço da situação e do que tínhamos conseguido trazer do caminhão. Contando com o tenente, éramos nove. Marcheval, Louzada, Shielguemilch, Guerin e eu éramos do mesmo pelotão. Os outros três eram do 2º pelotão. Um deles eu conhecia, chamava-se Martinez, de nacionalidade colombiana. Cada um de nós trazia sua arma e vários pentes de bala. Contávamos ainda com um fuzil FM, 13 granadas de mão ofensivas, 5 punhais de comandos, 4 cantis cheios de água, 3 tabletes de chocolate, 6 latas de ração, algum medicamento e 1 tubo de sulfa em pó. O tenente estava ferido. Uma bala de fuzil atravessara seu ombro esquerdo, fraturando-lhe a clavícula. Resultado final do balanço: o tenente ferido, comida e água em quantidade que mal dava para um dia, e nenhuma idéia de quanto tempo teríamos que caminhar pelo deserto até encontrarmos nossa gente. Depois de tratarmos do ferimento do tenente e de imobilizarmos seu braço, a ordem foi continuar a caminhada rumo ao litoral, bem distanciados uns dos outros, para não sermos localizados pelos aviões ou eventuais patrulhas inimigas.
Quando atingimos o topo da crista, avistamos ao longe um trecho da Via Balbia, o que nos permitiu saber onde nos encontrávamos. Tudo parecia calmo. Sem perigo a vista, o tenente nos reuniu para novas instruções. Ficou decidido que seguiríamos no rumo sul até encontrarmos a trilha para o Forte Capuzzo. Daí prosseguiríamos andando, enquanto fosse possível. Já passava das 16h quando localizamos a trilha: caminhamos até as 20h e fizemos uma parada. Até então nada havíamos comido ou bebido. Sede e fome começavam a nos torturar. O sol e o calor nos haviam maltratado durante todo o dia, e sentíamos enorme cansaço. Bebemos dois goles de água e dividimos duas latas de ração, nada mais. Continuamos a caminhada até um pouco depois da meia-noite. Considerando que já nos afastáramos alguma coisa da área crítica, o tenente autorizou que descansássemos até o amanhecer, revezando-nos na vigilância. A noite foi muito fria. Tremendo, pois não conseguira outra camisa, quase não dormi.
A madrugada do dia 13 de junho chegou trazendo muita ventania. Quando amanheceu, sufocados, cobertos de pó, maldizendo o tempo, nem nos dávamos conta que a tempestade de areia que amaldiçoávamos era nossa mais forte aliada naquele momento. O inimigo também seria obrigado a uma incômoda parada para se proteger. Seus aviões ficariam retidos nas pistas de pouso.
A tempestade tudo obscurecia e encobria o sol. Por volta das 13h, houve ligeira melhora no tempo. Aproveitamos para sair em busca de um abrigo mais seguro. Caminhamos por mais duas horas, mas, novamente, ficamos impossibilitados de prosseguir porque a tempestade voltou com mais violência, quase caímos num desfiladeiro. Tivemos que nos abrigar precariamente.
Por mais dois dias o vento soprou com violência. Finalmente, na madrugada do terceiro dia, de repente, tudo se acalmou e voltamos a enxergar o céu estrelado. Ouvia-se ao longe o troar dos canhões da artilharia alemã bombardeando Tobruk.
O autor, junto a um Bren carrier com canhão de 25 mm
Já estávamos em 16 de junho. Nossa ração de água e comida era quase nenhuma. O tenente amanheceu febril. O ferimento parecia infeccionado e pouco podíamos fazer para ajudar. Limpamos a ferida e borrifamos com pó se sulfa. Em seguida, prosseguimos caminhando por mais dois dias, com relativa segurança. Ficávamos escondidos entre os arbustos ao avistar aviões ou patrulhas inimigas ao longe. Por sorte, não nos viam, porque mantínhamos distância uns dos outros. O sol implacável nos maltratava. Era como se toda a energia tivesse abandonado nosso corpo. A vontade era deitar e esperar que o amaldiçoado astro desaparecesse. Entretanto, não podíamos parar. As horas se arrastavam, até que o sol se pôs. Andamos mais um pouco e o tenente nos permitiu parar para um pequeno descanso. Nossas bocas e gargantas estavam completamente ressecadas. A sede era insuportável. A água que restava no quarto e último cantil foi dividida igualmente, o que coube a cada um foi insuficiente para aliviar nosso tormento. A comida já acabara. Cansadíssimos pernoitamos ali mesmo.
Na manhã do dia seguinte, o moral era baixo. Constatou-se que o Martinez na véspera, largara seu fuzil pelo caminho. Quando o tenente ficou sabendo, mandou que ele voltasse para buscá-lo, dizendo-lhe: “Um verdadeiro legionário jamais abandona sua arma. Volte!”.
Martinez olhou para nós como a pedir ajuda, mas ninguém disse nada. Também sem dizer nada, virou-se e partiu para apanhar o fuzil que abandonara. Nunca mais voltou. Meses mais tarde, soubemos que caíra prisioneiro de uma patrulha italiana e que estava internado num campo de prisioneiros de guerra na Itália.
De novo caminhávamos sob o sol. Aquele dia parecia o mais quente de todos. Já não suportávamos o tormento da sede, muito maior que a fome a corroer nossos estômagos. Como quase sempre acontecia, Marcheval e eu caminhávamos separados, mas bem à frente dos outros. Andando com dificuldade, com os pés inchados e doloridos, sentia minha resistência diminuir a cada passo que dava. Parecia que o fim havia chegado. Já estava perdendo as esperanças quando vi que Marcheval, como que por instinto, caíra deitado no chão e começara a rastejar. Fiz o mesmo e fiquei quieto, depois de sinalizar para que os outros companheiros também o fizessem. Teríamos alcançado a linha de frente britânica? Aproximei-me de Marcheval e, rastejando, subimos uma pequena inclinação no terreno. Ouvimos vozes e ficamos imóveis, tentando identificar o idioma que falavam. Pareceu-nos árabe ou indiano. Resolvemos arriscar. Levantamos e gritamos. No mesmo instante, o horizonte encheu-se de soldados e pudemos ouvir os estalos dos ferrolhos de suas armas. Identificamo-nos e mandaram que nos aproximássemos. Graças a Deus, eram de fato nossos aliados. Estávamos salvos!
Patrulha no deserto
Os nossos “anfitriões” eram de uma unidade britânica de soldados hindus; estavam colocando minas em áreas estratégicas, ao longo da linha de defesa na fronteira do Egito com a Líbia. Acolheram-nos com respeito e preocupação, quando viram o estado em que nos encontrávamos. Bebemos água em pequenos goles e, em seguida, uma caneca de chá com leite. Quando, finalmente olhamos um para o outro, começamos a rir de nervoso, gritando, pulando e nos abraçando, para surpresa dos soldados que nos rodeavam sem entender nada. Estávamos irreconhecíveis. Tínhamos uma aparência horripilante, parecíamos múmias ou zumbis saídos do fundo da cova, cobertos de poeira dos pés à cabeça. A cena era trágica e cômica ao mesmo tempo. Por fim, caímos deitados no chão e dormimos profundamente.
Pela manhã, depois de nos lavarmos e de melhorarmos a aparência, fomos conduzidos ao serviço médico, examinados e tratados na enfermaria da unidade. Um soldado me presenteou com uma camisa. O bravo tenente que nos comandava, devido à gravidade do seu estado de saúde, fora medicado logo ao chegar e transferido para um hospital de campanha britânico, possivelmente para ser operado. Após a refeição que nos serviram, um oficial inglês chegou com instruções para nos transportar até Mersa Matruh. Embarcamos em seguida.
Durante a viagem, soubemos que Rommel havia recomeçado a ofensiva logo depois da conquista de Tobruk, onde fizera mais de 33 mil prisioneiros sul-africanos. Avançava, agora, em direção ao Egito. O General Ritchie tentava reorganizar o VIII Exército na fronteira, para conter o avanço do Afrika Korps. Este era o quadro quando nos juntamos ao batalhão em Mersa Matruh, no dia 21 de junho de 1942.
Em 23 de junho, a vanguarda das forças do Africa Korps alcançou a fronteira egípcia. Prosseguindo no avanço, Rommel combatia e dispersava as forças britânicas que o enfrentavam, chegando às proximidades da linha de defesa em Mersa Matruh no dia 25. Suas colunas avançadas já tomavam posição de ataque próximo ao local onde estávamos, quando fomos substituídos por tropas britânicas e enviados a construir outra linha de defesa em Fouka, nas cercanias de El Daba. Passamos o dia a cavar trincheiras.
Todo o VIII Exército britânico estava cansado, disperso, confuso e em condições desesperadoras. Igualmente, era esse o nosso estado de espírito. Eu, particularmente, sentia-me esgotado e desmotivado para cavar novas trincheiras. Além disso, já era quase noite; cavei apenas um buraco para abrigar-me. Com o passar das horas, como tudo parecia tranqüilo e fazia frio, resolvi abrigar-me melhor debaixo do nosso caminhão, estacionado ali perto. Pela madrugada, quase ao raiar do dia 26, o companheiro que se abrigava a meu lado acordou-me dizendo que aviões inimigos sobrevoavam nossas posições. Não demorou, começaram a lançar foguetes luminosos presos em pára-quedas. Toda a área clareou como se já fosse dia.
Repentinamente, ouvimos o som característico dos aviões de mergulho e o assobio das bombas caindo. O inferno desabara sobre nós. As bombas explodiam por todos os lados. Uma explosão mais próxima nos deixou surdos. Um calor insuportável começou a nos incomodar terrivelmente. Era o nosso caminhão pegando fogo, já quase a nos queimar também. Tinha sido seriamente atingido por estilhaços da bomba. Sequer fiquei sabendo quem me arrastou até uma trincheira onde fiquei deitado, sangrando e completamente atordoado, ainda sem poder movimentar a perna esquerda. O bombardeio continuou intenso, cessando algum tempo depois.
O ataque aéreo ocasionara a morte de dois legionários, ferimentos em quatro, inclusive eu, e a destruição de dois caminhões. Com os outros feridos, fui levado para a enfermaria do batalhão. Ao examinar meus ferimentos, o tenente médico, Richard Martin, constatou que não tinha recursos para extrair os estilhaços, deu-me uma injeção de morfina para a aliviar as dores e removeu-me para o hospital de campanha britânico montado à retaguarda, juntamente com outro legionário, ferido gravemente no ventre e nas pernas.
Duas horas depois, chegando ao hospital, fomos deixados numa grande barraca de lona, onde já se encontravam outros feridos aguardando a vez para serem operados. Nesse momento, ao ver os feridos sendo medicado ou aguardando o cirurgião para operá-los, ouvindo seus gemidos de dor, é que comecei a acordar para o lado negro e cruel da guerra. Deitado bem perto de mim, um ferido gemia: a explosão de uma mina tinha-lhe dilacerado as duas pernas, mas adiante, um outro sangrava, com o ventre aberto, ao meu lado esquerdo, podia ver alguém sem um dos braços, mais para o fundo da barraca, outro gritava de dor, todo mutilado.
Diante deste quadro, tomava consciência da violência, da brutalidade, da dor, do sofrimento e do grande sacrifício a que estavam sendo submetidos os bravos soldados que lutavam nessa maldita guerra. A ambição e a ideologia de homens que queriam dominar o mundo os haviam jogado nesse cataclisma. Testemunhando tanta desgraça, sentia, mais do que nunca, o acerto de minha decisão de lutar ao lado dos que defendiam a liberdade e a civilização cristã.
Fui levado para outra barraca e examinado pelos cirurgiões, ouvi quando um deles disse: “Podem levá-lo. Tirem a radiografia e o preparem que eu mesmo vou operá-lo e extrair os estilhaços da bomba”.
Acordando da anestesia, senti que a perda esquerda tinha sido engessada do pé até a virilha. Os pequenos estilhaços que tinham penetrado em outras partes do meu corpo, embora sem gravidade, também tinham sido extraídos. Novamente fui levado para outra barraca e informado que seria embarcado numa ambulância e transferido para um hospital em Alexandria, onde ficaria internado. O tratamento que recebi no hospital de campanha foi excelente. Soube, mais tarde, que tinha sido operado por um grande cirurgião inglês, brigadeiro da RAF.
Quando estava sendo colocado na ambulância, soou o alarme de ataque aéreo. Ouvi o ronco inconfundível dos motores dos aviões alemães que nos sobrevoavam, mas não atacaram. Ouvi também o troar dos canhões atirando não muito longe de onde estávamos, e soube, pelos padioleiros, que já estavam tomando providências no sentido de deslocar o hospital de campanha para além de El-Alamein.
A ambulância ia aos solavancos, rodando em comboio por trilhas no deserto, pois a estrada asfaltada era utilizada no trânsito das tropas e dos carros-de-combate que iam reforçar os que lutavam na linha de frente. Os solavancos incomodavam muito. A dor na perna aumentava ainda mais. Por cima da minha maca tinha sido colocada outra com um soldado inglês bastante ferido e que não parava de gemer. Já tínhamos rodado algum tempo, quando comecei a sentir algo pingando no meu peito, vi que era sangue, caindo da maca de cima. Fiquei apavorado. O ferido deveria estar sofrendo forte hemorragia. Preso na maca, não podia me mover. Angustiado, tentei chamar o motorista ou o padioleiro. Gritei o mais alto que pude, mas não fui ouvido. Continuei gritando sem parar. Passado algum tempo, a ambulância parou. Eu continuava a gritar tão alto quanto podia, já rouco. Quando o padioleiro abriu a porta para saber a razão dos meus gritos, era tarde. O ferido havia falecido, esvaindo-se em sangue. Esse fato, um dos horrores da guerra, ficou indelevelmente registrado em minha memória.
Pouco tempo depois ficamos hospitalizados em Alexandria. No início do mês de julho, os soldados franceses feridos foram transferidos para um outro hospital em Beirute, no Líbano. Antes da partida, soube que o General Auchinleck decidira assumir pessoalmente o comando na frente de batalha e que partira de avião do Cairo no dia 25 de junho para substituir o general Ritchie. Mas, nem mesmo ele conseguiu reagrupar os sobreviventes do VIII Exército antes de retornarem às posições de El-Alamein, onde, finalmente, o avanço de Rommel foi sustado.
O autor servia no 3º pelotão da 3ª Companhia do 1º Batalhão da Legião estrangeira, ligado à 13ª Meia-Brigada da Legião, com honras de combate de Camerone, 1863; Bergevik-Narvik, 1940; Kerem-Massaoua, 1941 e o batalhão sendo comandado pelo Capitão Paris de Bolladière.
O texto reproduzido aqui por gentil autorização do autor é parte do capítulo Bir Hakeim do livro, mas não a íntegra do mesmo. Recomendamos a compra do livro, que trata do recrutamento, treinamento e serviço do autor na Legião Estrangeira, bem como outras aventuras durante e depois da guerra.
O autor com De Gaulle em 1964
A guarnição movimentava-se em direção a oeste, contornando as linhas inimigas, para alcançar o ponto de encontro fixado pela 7ª Brigada britânica. Alguns elementos conseguiram passar sem luta, outros foram obrigados a combater e só chegaram ao ponto de encontro aos poucos, às vezes um a um. O General Koenig partira, conduzido por sua motorista Susan Traveys, que lá continuava desobedecendo friamente à ordem de abandonar Bir Hakeim dada às auxiliares inglesas que serviam na 1ª Brigada dos Franceses Livres. Koenig chegou ao local do reagrupamento após ter estado, por várias vezes, à beira do cativeiro e da morte. O mesmo aconteceu ao Tenente-Coronel Amilakvari e ao Capitão Messmer, outros grandes heróis dessa epopéia. Anos depois Messmer seria Ministro da Guerra do General de Gaulle e, posteriormente, Primeiro-Ministro da França, no governo do Presidente Georges Pompidou.
A luz dos foguetes, dos projéteis luminosos e traçadores e das explosões das minas projetava-se, no deserto, como fogos de artifício a se prolongarem pela noite. A despeito da algazarra, Rommel não acreditou em uma retirada geral e, ao romper da aurora, bombardeou Bir Hakeim, onde só restava um punhado de homens, em sua maioria feridos. Dois terços da 1ª Brigada dos Franceses Livres conseguiram arrancar-se da situação difícil. Foi após a luta desesperada de Bir Hakeim que a França reencontrou sua alma e que o movimento de resistência tomou impulso.
Trincheira em Bir Hakeim
No dia 11 de junho, pela manhã, minha unidade recebeu ordens para retornar, patrulhando, até as proximidades de Gambut e juntar-se a uma coluna semi-blindada britânica, que vinha na direção de Sidi Rezegh. Preparamo-nos para cumprir a missão e partimos às 14h. Além do armamento normal, levávamos, cada um, mais quatro granadas presas na cintura.
Ao escurecer, observamos ao longe foguetes coloridos, assinalando a presença da coluna que procurávamos. Ou melhor, assim pensamos, mas, quando nos aproximamos, noite fechada, fomos cercados por uma coluna alemã que também patrulhava a área. Os soldados nos cercaram e um oficial gritou em francês: “larguem as armas! Saltem todos dos caminhões!”
Caíramos numa armadilha e, horrorizados, víamo-nos aprisionados pelo inimigo. Alguns legionários pularam dos caminhões, inclusive os do meu pelotão, mas não nos conformávamos com o que estava acontecendo. De repente, na escuridão da noite, um legionário do 2º pelotão, abissínio, ao saltar do caminhão, conseguiu tirar o pino de uma granada e atirá-la na direção dos alemães. Os alemães se espalharam atirando e nós também. No tumulto, ouvi nosso tenente gritar: “Salvem-se como puderem! Corram para os caminhões!”
Em debandada, corremos para os caminhões que já estavam em movimento, tentando fugir. A fuzilaria era intensa. As balas passavam zunindo por todos os lados. Parei um instante, joguei uma granada na direção dos que atiravam contra nós e disparei para pegar o caminhão, onde já se encontravam alguns companheiros do meu pelotão gritando por mim. Corri como um louco e consegui agarrar-me a tampa traseira da carroceria, mas não tive força para subir e deixei-me arrastar, gritando por ajuda. Agarrando com força e gritando, fui sendo levado pelo caminhão em disparada, ouvindo o zumbido das balas que passavam. Foi um horror!...
Quase perdendo as forças, finalmente consegui passar a mão direita por dentro da folga da corrente que prendia a tampa traseira na carroceria e senti mais firmeza. Deixei-me arrastar continuando a gritar por ajuda. Nisso ouvi forte explosão do lado direito. O caminhão que corria próximo ao nosso fora atingido por um tiro de canhão e explodira em chamas. Outra explosão, bem perto, também não nos atingiu. Quando já nos distanciáramos e a situação parecia mais calma, meu amigo Marcheval veio ao meu socorro puxando-me para dentro do caminhão pela camisa, que ficou completamente rasgada. Caí no chão da carroceria completamente esgotado, sentindo uma dor muito forte no pulso da mão direita, que prendera na corrente da tampa traseira.
O caminhão, aos solavancos, continuava em, alta velocidade Dez minutos depois, bateu com violência na borda de um enorme buraco, jogando-nos uns contra os outros numa confusão dos diabos. Não mais andou; com a forte batia, a suspensão dianteira ficara danifica e tivemos que abandoná-lo.
Só a claridade das estrelas nos iluminava. Antes de pularmos do caminhão, percebemos que os alemães ainda nos perseguiam. Para nós, legionários, era humilhante não enfrentá-los, mas não havia alternativa senão a de escapar daquela situação e nos juntarmos ao restante da brigada. A prioridade era voltar ao combate. Se resolvêssemos parar e lutar, nosso sacrifício seria em vão. Apressados, pegamos nossas armas e tudo que nos foi possível encontrar naquela balbúrdia e no escuro. Pulamos do caminhão e disparamos a correr pelo deserto.
Tripulantes de blindados italianos, mortos em combate
A princípio, ficamos desorientados. Não identificávamos bem nossa posição, mas o tenente decidiu seguir em direção ao norte, rumo ao litoral. Quando amanheceu, fizemos um balanço da situação e do que tínhamos conseguido trazer do caminhão. Contando com o tenente, éramos nove. Marcheval, Louzada, Shielguemilch, Guerin e eu éramos do mesmo pelotão. Os outros três eram do 2º pelotão. Um deles eu conhecia, chamava-se Martinez, de nacionalidade colombiana. Cada um de nós trazia sua arma e vários pentes de bala. Contávamos ainda com um fuzil FM, 13 granadas de mão ofensivas, 5 punhais de comandos, 4 cantis cheios de água, 3 tabletes de chocolate, 6 latas de ração, algum medicamento e 1 tubo de sulfa em pó. O tenente estava ferido. Uma bala de fuzil atravessara seu ombro esquerdo, fraturando-lhe a clavícula. Resultado final do balanço: o tenente ferido, comida e água em quantidade que mal dava para um dia, e nenhuma idéia de quanto tempo teríamos que caminhar pelo deserto até encontrarmos nossa gente. Depois de tratarmos do ferimento do tenente e de imobilizarmos seu braço, a ordem foi continuar a caminhada rumo ao litoral, bem distanciados uns dos outros, para não sermos localizados pelos aviões ou eventuais patrulhas inimigas.
Quando atingimos o topo da crista, avistamos ao longe um trecho da Via Balbia, o que nos permitiu saber onde nos encontrávamos. Tudo parecia calmo. Sem perigo a vista, o tenente nos reuniu para novas instruções. Ficou decidido que seguiríamos no rumo sul até encontrarmos a trilha para o Forte Capuzzo. Daí prosseguiríamos andando, enquanto fosse possível. Já passava das 16h quando localizamos a trilha: caminhamos até as 20h e fizemos uma parada. Até então nada havíamos comido ou bebido. Sede e fome começavam a nos torturar. O sol e o calor nos haviam maltratado durante todo o dia, e sentíamos enorme cansaço. Bebemos dois goles de água e dividimos duas latas de ração, nada mais. Continuamos a caminhada até um pouco depois da meia-noite. Considerando que já nos afastáramos alguma coisa da área crítica, o tenente autorizou que descansássemos até o amanhecer, revezando-nos na vigilância. A noite foi muito fria. Tremendo, pois não conseguira outra camisa, quase não dormi.
A madrugada do dia 13 de junho chegou trazendo muita ventania. Quando amanheceu, sufocados, cobertos de pó, maldizendo o tempo, nem nos dávamos conta que a tempestade de areia que amaldiçoávamos era nossa mais forte aliada naquele momento. O inimigo também seria obrigado a uma incômoda parada para se proteger. Seus aviões ficariam retidos nas pistas de pouso.
A tempestade tudo obscurecia e encobria o sol. Por volta das 13h, houve ligeira melhora no tempo. Aproveitamos para sair em busca de um abrigo mais seguro. Caminhamos por mais duas horas, mas, novamente, ficamos impossibilitados de prosseguir porque a tempestade voltou com mais violência, quase caímos num desfiladeiro. Tivemos que nos abrigar precariamente.
Por mais dois dias o vento soprou com violência. Finalmente, na madrugada do terceiro dia, de repente, tudo se acalmou e voltamos a enxergar o céu estrelado. Ouvia-se ao longe o troar dos canhões da artilharia alemã bombardeando Tobruk.
O autor, junto a um Bren carrier com canhão de 25 mm
Já estávamos em 16 de junho. Nossa ração de água e comida era quase nenhuma. O tenente amanheceu febril. O ferimento parecia infeccionado e pouco podíamos fazer para ajudar. Limpamos a ferida e borrifamos com pó se sulfa. Em seguida, prosseguimos caminhando por mais dois dias, com relativa segurança. Ficávamos escondidos entre os arbustos ao avistar aviões ou patrulhas inimigas ao longe. Por sorte, não nos viam, porque mantínhamos distância uns dos outros. O sol implacável nos maltratava. Era como se toda a energia tivesse abandonado nosso corpo. A vontade era deitar e esperar que o amaldiçoado astro desaparecesse. Entretanto, não podíamos parar. As horas se arrastavam, até que o sol se pôs. Andamos mais um pouco e o tenente nos permitiu parar para um pequeno descanso. Nossas bocas e gargantas estavam completamente ressecadas. A sede era insuportável. A água que restava no quarto e último cantil foi dividida igualmente, o que coube a cada um foi insuficiente para aliviar nosso tormento. A comida já acabara. Cansadíssimos pernoitamos ali mesmo.
Na manhã do dia seguinte, o moral era baixo. Constatou-se que o Martinez na véspera, largara seu fuzil pelo caminho. Quando o tenente ficou sabendo, mandou que ele voltasse para buscá-lo, dizendo-lhe: “Um verdadeiro legionário jamais abandona sua arma. Volte!”.
Martinez olhou para nós como a pedir ajuda, mas ninguém disse nada. Também sem dizer nada, virou-se e partiu para apanhar o fuzil que abandonara. Nunca mais voltou. Meses mais tarde, soubemos que caíra prisioneiro de uma patrulha italiana e que estava internado num campo de prisioneiros de guerra na Itália.
De novo caminhávamos sob o sol. Aquele dia parecia o mais quente de todos. Já não suportávamos o tormento da sede, muito maior que a fome a corroer nossos estômagos. Como quase sempre acontecia, Marcheval e eu caminhávamos separados, mas bem à frente dos outros. Andando com dificuldade, com os pés inchados e doloridos, sentia minha resistência diminuir a cada passo que dava. Parecia que o fim havia chegado. Já estava perdendo as esperanças quando vi que Marcheval, como que por instinto, caíra deitado no chão e começara a rastejar. Fiz o mesmo e fiquei quieto, depois de sinalizar para que os outros companheiros também o fizessem. Teríamos alcançado a linha de frente britânica? Aproximei-me de Marcheval e, rastejando, subimos uma pequena inclinação no terreno. Ouvimos vozes e ficamos imóveis, tentando identificar o idioma que falavam. Pareceu-nos árabe ou indiano. Resolvemos arriscar. Levantamos e gritamos. No mesmo instante, o horizonte encheu-se de soldados e pudemos ouvir os estalos dos ferrolhos de suas armas. Identificamo-nos e mandaram que nos aproximássemos. Graças a Deus, eram de fato nossos aliados. Estávamos salvos!
Patrulha no deserto
Os nossos “anfitriões” eram de uma unidade britânica de soldados hindus; estavam colocando minas em áreas estratégicas, ao longo da linha de defesa na fronteira do Egito com a Líbia. Acolheram-nos com respeito e preocupação, quando viram o estado em que nos encontrávamos. Bebemos água em pequenos goles e, em seguida, uma caneca de chá com leite. Quando, finalmente olhamos um para o outro, começamos a rir de nervoso, gritando, pulando e nos abraçando, para surpresa dos soldados que nos rodeavam sem entender nada. Estávamos irreconhecíveis. Tínhamos uma aparência horripilante, parecíamos múmias ou zumbis saídos do fundo da cova, cobertos de poeira dos pés à cabeça. A cena era trágica e cômica ao mesmo tempo. Por fim, caímos deitados no chão e dormimos profundamente.
Pela manhã, depois de nos lavarmos e de melhorarmos a aparência, fomos conduzidos ao serviço médico, examinados e tratados na enfermaria da unidade. Um soldado me presenteou com uma camisa. O bravo tenente que nos comandava, devido à gravidade do seu estado de saúde, fora medicado logo ao chegar e transferido para um hospital de campanha britânico, possivelmente para ser operado. Após a refeição que nos serviram, um oficial inglês chegou com instruções para nos transportar até Mersa Matruh. Embarcamos em seguida.
Durante a viagem, soubemos que Rommel havia recomeçado a ofensiva logo depois da conquista de Tobruk, onde fizera mais de 33 mil prisioneiros sul-africanos. Avançava, agora, em direção ao Egito. O General Ritchie tentava reorganizar o VIII Exército na fronteira, para conter o avanço do Afrika Korps. Este era o quadro quando nos juntamos ao batalhão em Mersa Matruh, no dia 21 de junho de 1942.
Em 23 de junho, a vanguarda das forças do Africa Korps alcançou a fronteira egípcia. Prosseguindo no avanço, Rommel combatia e dispersava as forças britânicas que o enfrentavam, chegando às proximidades da linha de defesa em Mersa Matruh no dia 25. Suas colunas avançadas já tomavam posição de ataque próximo ao local onde estávamos, quando fomos substituídos por tropas britânicas e enviados a construir outra linha de defesa em Fouka, nas cercanias de El Daba. Passamos o dia a cavar trincheiras.
Todo o VIII Exército britânico estava cansado, disperso, confuso e em condições desesperadoras. Igualmente, era esse o nosso estado de espírito. Eu, particularmente, sentia-me esgotado e desmotivado para cavar novas trincheiras. Além disso, já era quase noite; cavei apenas um buraco para abrigar-me. Com o passar das horas, como tudo parecia tranqüilo e fazia frio, resolvi abrigar-me melhor debaixo do nosso caminhão, estacionado ali perto. Pela madrugada, quase ao raiar do dia 26, o companheiro que se abrigava a meu lado acordou-me dizendo que aviões inimigos sobrevoavam nossas posições. Não demorou, começaram a lançar foguetes luminosos presos em pára-quedas. Toda a área clareou como se já fosse dia.
Repentinamente, ouvimos o som característico dos aviões de mergulho e o assobio das bombas caindo. O inferno desabara sobre nós. As bombas explodiam por todos os lados. Uma explosão mais próxima nos deixou surdos. Um calor insuportável começou a nos incomodar terrivelmente. Era o nosso caminhão pegando fogo, já quase a nos queimar também. Tinha sido seriamente atingido por estilhaços da bomba. Sequer fiquei sabendo quem me arrastou até uma trincheira onde fiquei deitado, sangrando e completamente atordoado, ainda sem poder movimentar a perna esquerda. O bombardeio continuou intenso, cessando algum tempo depois.
O ataque aéreo ocasionara a morte de dois legionários, ferimentos em quatro, inclusive eu, e a destruição de dois caminhões. Com os outros feridos, fui levado para a enfermaria do batalhão. Ao examinar meus ferimentos, o tenente médico, Richard Martin, constatou que não tinha recursos para extrair os estilhaços, deu-me uma injeção de morfina para a aliviar as dores e removeu-me para o hospital de campanha britânico montado à retaguarda, juntamente com outro legionário, ferido gravemente no ventre e nas pernas.
Duas horas depois, chegando ao hospital, fomos deixados numa grande barraca de lona, onde já se encontravam outros feridos aguardando a vez para serem operados. Nesse momento, ao ver os feridos sendo medicado ou aguardando o cirurgião para operá-los, ouvindo seus gemidos de dor, é que comecei a acordar para o lado negro e cruel da guerra. Deitado bem perto de mim, um ferido gemia: a explosão de uma mina tinha-lhe dilacerado as duas pernas, mas adiante, um outro sangrava, com o ventre aberto, ao meu lado esquerdo, podia ver alguém sem um dos braços, mais para o fundo da barraca, outro gritava de dor, todo mutilado.
Diante deste quadro, tomava consciência da violência, da brutalidade, da dor, do sofrimento e do grande sacrifício a que estavam sendo submetidos os bravos soldados que lutavam nessa maldita guerra. A ambição e a ideologia de homens que queriam dominar o mundo os haviam jogado nesse cataclisma. Testemunhando tanta desgraça, sentia, mais do que nunca, o acerto de minha decisão de lutar ao lado dos que defendiam a liberdade e a civilização cristã.
Fui levado para outra barraca e examinado pelos cirurgiões, ouvi quando um deles disse: “Podem levá-lo. Tirem a radiografia e o preparem que eu mesmo vou operá-lo e extrair os estilhaços da bomba”.
Acordando da anestesia, senti que a perda esquerda tinha sido engessada do pé até a virilha. Os pequenos estilhaços que tinham penetrado em outras partes do meu corpo, embora sem gravidade, também tinham sido extraídos. Novamente fui levado para outra barraca e informado que seria embarcado numa ambulância e transferido para um hospital em Alexandria, onde ficaria internado. O tratamento que recebi no hospital de campanha foi excelente. Soube, mais tarde, que tinha sido operado por um grande cirurgião inglês, brigadeiro da RAF.
Quando estava sendo colocado na ambulância, soou o alarme de ataque aéreo. Ouvi o ronco inconfundível dos motores dos aviões alemães que nos sobrevoavam, mas não atacaram. Ouvi também o troar dos canhões atirando não muito longe de onde estávamos, e soube, pelos padioleiros, que já estavam tomando providências no sentido de deslocar o hospital de campanha para além de El-Alamein.
A ambulância ia aos solavancos, rodando em comboio por trilhas no deserto, pois a estrada asfaltada era utilizada no trânsito das tropas e dos carros-de-combate que iam reforçar os que lutavam na linha de frente. Os solavancos incomodavam muito. A dor na perna aumentava ainda mais. Por cima da minha maca tinha sido colocada outra com um soldado inglês bastante ferido e que não parava de gemer. Já tínhamos rodado algum tempo, quando comecei a sentir algo pingando no meu peito, vi que era sangue, caindo da maca de cima. Fiquei apavorado. O ferido deveria estar sofrendo forte hemorragia. Preso na maca, não podia me mover. Angustiado, tentei chamar o motorista ou o padioleiro. Gritei o mais alto que pude, mas não fui ouvido. Continuei gritando sem parar. Passado algum tempo, a ambulância parou. Eu continuava a gritar tão alto quanto podia, já rouco. Quando o padioleiro abriu a porta para saber a razão dos meus gritos, era tarde. O ferido havia falecido, esvaindo-se em sangue. Esse fato, um dos horrores da guerra, ficou indelevelmente registrado em minha memória.
Pouco tempo depois ficamos hospitalizados em Alexandria. No início do mês de julho, os soldados franceses feridos foram transferidos para um outro hospital em Beirute, no Líbano. Antes da partida, soube que o General Auchinleck decidira assumir pessoalmente o comando na frente de batalha e que partira de avião do Cairo no dia 25 de junho para substituir o general Ritchie. Mas, nem mesmo ele conseguiu reagrupar os sobreviventes do VIII Exército antes de retornarem às posições de El-Alamein, onde, finalmente, o avanço de Rommel foi sustado.
O autor servia no 3º pelotão da 3ª Companhia do 1º Batalhão da Legião estrangeira, ligado à 13ª Meia-Brigada da Legião, com honras de combate de Camerone, 1863; Bergevik-Narvik, 1940; Kerem-Massaoua, 1941 e o batalhão sendo comandado pelo Capitão Paris de Bolladière.
O texto reproduzido aqui por gentil autorização do autor é parte do capítulo Bir Hakeim do livro, mas não a íntegra do mesmo. Recomendamos a compra do livro, que trata do recrutamento, treinamento e serviço do autor na Legião Estrangeira, bem como outras aventuras durante e depois da guerra.
O autor com De Gaulle em 1964
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