quarta-feira, 30 de março de 2016

Legião Estrangeira - França

Nenhuma força de elite está cercada de uma imagem mais romântica e nem foi objeto de tantos enganos e mitos como a Legião Estrangeira francesa. Criada em 1831 para atuar na conquista da Argélia, teve seus primeiros anos conturbados pelas freqüentes guerras contra os árabes, pela indisciplina de seus componentes e pelos conflitos internos. Reformulada em 1835, lutou no norte da África, na Criméia (1854/56), na Itália (1859), na Guerra Franco-Prussiana (1870) e em muitas campanhas coloniais. Teve um papel importante nas duas guerras mundiais, consolidando a sua reputação. Na Primeira Guerra (1914/18) perdeu 115 oficiais e 5.172 legionários e seu Regimento de Marcha foi o mais condecorado do Exército francês. Na Guerra da Indochina, na célebre Batalha de Dien Bien Phu, sete batalhões da Legião foram subjugados pelo Vietminh, sem jamais se renderem. Em seguida atuou mais uma vez na Argélia e na crise do Canal de Suez, no Egito, em 1956. A Legião sempre desempenhou bem o seu papel de defender os interesses da França junto às suas colônias na África, no Pacífico e no Caribe.

 
Em 1988, após uma reestruturação que reduziu drasticamente os efetivos do Exército francês, a Legião ficou reduzida a um quadro de 7.500 homens e teve algumas de suas bases fechadas, embora ainda permaneça como importante unidade estratégica. A Legião é responsável pelo seu próprio programa de recrutamento e treinamento o qual está a cargo do 1º Regimento Estrangeiro, em Aubagne, onde os novos recrutas começam a prestar serviço e do 4° Regimento Estrangeiro, em Casteinaudar, responsável pelo treinamento especializado. As principais unidades de combate são: 1º Regimento Estrangeiro de Cavalaria (1 REC) estacionado em Orange, parte integrante da 6ª Div.Blindada Leve francesa; 2º Regimento Estrangeiro de Infantaria (2 REI), baseado em Nimes, que atuou em várias campanhas nas colônias; 3º Regimento Estrangeiro de Infantaria (3 REI) localizado em Kourou na Guiana Francesa, especializado em operações de guerra na selva e pela segurança do Centro de Lançamento de Foguetes localizado na região; 5º Regimento Estrangeiro (5 RE) responsável pela segurança da área de testes nucleares da França no atol de Mururoa, no Pacífico; e 2º Regimento Estrangeiro de Paraquedistas (2 REP) baseado na ilha de Córsega, uma força de ação rápida especializada em assalto aerotransportado e ações de comandos.

Legionários francese em missão de patrulhaVoluntários vêm de todas as partes do mundo compondo um grupo com mais de cem nacionalidades. Ao se alistarem recebem um apelido e iniciam um treinamento rigoroso durante as três semanas seguintes, onde serão levados aos limites de suas capacidades físicas e psicológicas. Durante o curso podem pedir dispensa por vontade própria ou serem compulsoriamente dispensados, mas se conseguem lograr êxito são obrigados a cumprir mais cinco meses de serviço. O primeiro ano consiste em treinamento no 4º RE, onde é dada grande ênfase ao condicionamento físico e a habilidade no manejo dos mais diversos tipos de armas. Após o curso básico, alguns são selecionados para o treinamento especializado como operador de comunicações, observador avançado, sniper e técnico em explosivos.
Atualmente a Legião Estrangeira existe como uma força de todas as armas, bem organizada e equipada com armamento padronizado do Exército francês. Divide-se em regimentos de dez companhias, algumas especializadas (reconhecimento, morteiros, blindados leves, etc). Destes o mais conhecido é o 2º Regimento Estrangeiro de Pára-quedistas, baseado na Ilha de Córsega, no Mediterrâneo, com quatro companhias de combate, que orgulha-se de poder montar uma operação para qualquer parte do mundo em apenas 24 horas. O uniforme dos legionários segue o padrão das demais unidades francesas, acrescido do famoso quepe azul envolto num pano branco (para proteção contra o sol e a areia do deserto), com a parte de cima vermelha e emblema dourado. Para combate usa-se o camuflado padrão, normalmente com a tradicional boina verde. Entre as armas da unidade destacam-se o fuzil FAMAS F1, de calibre 5.56 mm e a metralhadora FN Minimi, de calibre 5.56 mm. O lema da unidade é: Legio patria nostra ("A Legião, nossa pátria").

terça-feira, 29 de março de 2016

Como se tornar um soldado do Exército Russo


Recentemente, foi anunciado que estrangeiros já podem prestar serviço militar nas Forças Armadas russas. Diante do interesse demonstrado pelos leitores e inúmeras dúvidas sobre o tema, Gazeta Russa decidiu criar um roteiro para aqueles que se sentiram atraídos pela iniciativa.
O decreto que permite acesso de cidadãos estrangeiros às Forças Armadas russas foi assinado pelo presidente russo Vladímir Pútin em 2 de janeiro. A medida introduz apenas uma alteração à lei federal já existente “Sobre a Obrigação Militar do Serviço Militar” que regulamenta, entre outras coisas, o acesso de cidadãos estrangeiros ao serviço militar no Exército russo.

Quem pode prestar serviço militar no Exército russo?
Cidadãos de qualquer país estrangeiro entre 18 e 30 anos, que falem russo (o grau de domínio da língua não foi especificado), e não possuam antecedentes criminais.

Qual a duração do contrato?
O contrato com cidadãos estrangeiros tem validade de 5 anos.

É possível entrar também para as tropas especiais russas?
Os estrangeiros não podem prestar serviço nas tropas do Ministério do Interior, nas unidades do FSB (Serviço Federal de Segurança) nem em outros serviços especiais. A razão é simples: nesses locais teriam acesso a informação militar classificada como “segredo de Estado”.

Qual é a remuneração para estrangeiros no Exército russo?
O salário mensal é de 30.000 rublos (cerca de US$ 430).

Onde os estrangeiros contratados moram?
Os soldados estrangeiros são alojados, durante todo o período de duração do serviço militar, nas bases militares do Exército nacional.

Preciso fazer juramento de bandeira?
Ao contrário dos recrutas e militares russos contratados, os cidadãos estrangeiros não juram fidelidade à Rússia. Em vez do juramento, eles apenas se comprometem a cumprir o seu dever militar.

É possível fazer carreira no Exército russo?
O contratado estrangeiro não pode ter patente acima de soldado (marinheiro) ou sargento. Isto é, não é permitido.

E em caso de guerra?
Estrangeiros podem se envolver em operações de combate em caso de lei marcial, bem como em situações de conflitos armados, desde que em conformidade com os princípios e normas universalmente reconhecidos do direito internacional, os tratados internacionais da Federação Russa e a legislação da Federação Russa. Por isso, existe sempre a probabilidade de o estrangeiro ser enviado para algum ponto de conflito.

E depois?
O soldado estrangeiro obtém acesso ao modo simplificado de obtenção da cidadania russa. Prestar serviço militar no Exército da Rússia permite obter passaporte russo em três anos.

Aonde se dirigir no caso de real interesse?
Segundo o Ministério da Defesa, a admissão dos cidadãos estrangeiros a candidatos ao serviço militar em base de contrato se fundamenta em seus formulários de aplicação, que deverão ser entregues nos comissariados militares das unidades da Federação Russa, e nos documentos que comprovem a legalidade de sua permanência no território da Federação da Rússia (registro de residência, segundo o local de permanência no cartão de identidade de cidadão imigrante). Ou seja, para poder fazer o pedido, você precisa primeiro de ir para a Rússia.
Existe outra maneira: um cidadão estrangeiro pode solicitar autorização para prestar serviço em uma unidade militar russa baseada no exterior.
A seguir, ele terá que enfrentar uma seleção bastante rigorosa: teste das impressões digitais, exame médico e um teste de conhecimento da língua russa. Caso o candidato esteja apto para o serviço militar, ele então realizará testes especiais de seleção psicológica e profissional. Se tudo correr bem e os comandantes das unidades militares aceitarem o candidato, o cidadão estrangeiro será enviado para a unidade militar onde irá prestar serviço.

segunda-feira, 28 de março de 2016

Legiao Estrangeira Russa

 Descobri recentemente que a Legiao Estrangeira Russa ja esta em funcionamento.Sendo assim,comecei a pensar ainda mais na possibilidade de me alistar daqui alguns anos.Os dois requerimentos basicos sao o dominio satisfatorio da lingua russa e uma ficha sem antecedentes criminais.


Motivaçao intrinseca

Nesse ano meus planos e postura mudaram muito,sendo o factor principal dessa mudança meu desencanto completo com a vida que levo e o meio onde vivo.Nao consigo imaginar-me vivendo no Brasil mais e tenho de decidir os passos para essa saida enquanto sou novo e solteiro.Antes queria ter uma empresa e tentar,atraves dos rendimentos desta,tentar agir de alguma forma em prol da Causa,mas houve uma torçao,estranha ate,pois mesmo tendo todos os conhecimentos para negar esse querer ele ainda estava em minha mente(de repente percebi os fatos,sem graduaçao,dai a torçao).Pagar imposto altissimo pra sustentar o Brasil?Estar sujeito a ficar preso aqui e poder perder todos os bens por qualquer politica daqui?Ter de tolerar leis risiveis?

Sempre fui voltado para o ambito militar,desde pequeno mesmo,lendo revistas do assunto,jogando paintball,ate entrando em minucias sobre armas.Nao quis me alistar no Brasil,claramente por que nem morto eu o apoiaria e,depois,conclui que nem a questao da experiencia tatica e com armas valeria a pena,por que alem de ser ridicula(comparado a outros paises) nao surportaria ter na minha consciencia a memoria de ter servido ao que desprezo. Alem disso,tenho um perfil invulgar por ser frio,nao me atentar aos que estao a minha volta,resistir a solidao e ter uma personalidade solida(por mais que muitos se horrorizem por nem imaginarem que eu consiga viver assim).Muitos camaradas dos foruns ate me aconselham ''esta correto,mas tem que arranjar uma moça,mesmo que nao seja pra casar ou namorar…'',bem eu nao vou mudar,tem que ser pra casar,por isso eu quero me capacitar no que pode ser util a mim e que o casamento restringe( provavelmente tolhe).

Motivaçao extrinsica

A Russia e' um dos poucos paises de maioria europeia que tem uma politica e cultura pro-europeias,o unico imperio europeu restante( <a href="http://www.euroheritage.net/russianethnicrepublicsmap.shtml" target="_blank">European Heritage Library - European history, cultures, historical memory, and European and immigrant identities</a> ).Nao consigo ver outro local melhor,onde possa-se unir forcas e ter a certeza de coloborar efetivamente pela Causa. Muito importante tambem,permanecendo ou nao na Russia apos os 5 anos de serviço,sera a experiencia e tecnica obtidas,sem duvida de grande valia.

Nao sei se ficaria(digo pra nao voltar mais)na Russia caso me aliste e seja selecionado,mas isso cabe a outro tempo.Por agora estou a seguir no meu curso universitario(que pode me ajudar bastante na questao da lingua e primeiros contactos com a Russia);mantendo um habito de treinamento fisico,ainda o maximo que posso e' utilizar equipamentos publicos e fazer o basico em casa;preparando pra no final desse mes ja estar em via de começar um curso de tiro.


Aqui uma das noticias: <a href="http://themoscownews.com/news/20101125/188233351.html" target="_blank">Russia</a>

Pra quem se interessar ou nunca tenha ouvido falar,ai esta.

domingo, 27 de março de 2016

Mercenários brasileiros na Legião Estrangeira.



Atraídos por salários, a chance de apagar o passado e aventuras, dezenas de brazucas alistam-se, todos os anos, no legendário exército de aluguel francês. Nossa repórter conseguiu deles revelações sobre a condição de soldados de um pátria alheia, em missões cujo sentido desconhecem
Maranúbia Barbosa
Brasileiros jovens estão pondo a mochila nas costas e deixando o país para se alistar na Legião Estrangeira — unidade de elite do exército francês, composta por cerca de 7 mil estrangeiros de mais de 130 nacionalidades diferentes. Estima-se que pelo menos cem brasileiros são contratados a cada ano pelo legendário exército que defende os interesses da França mundo afora, sobretudo em áreas conflituosas.
O número exato de brasileiros não é divulgado pela Legião Estrangeira. Porém, de uns cinco anos para ca , a procura tem aumentado, mesmo sabendo que ao vender seus serviços para a França estão se expondo a riscos de morte.
Medo parece não ser problema para os brasileiros e, muito menos, para outros estrangeiros. Todos os anos, mais de 5 mil candidatos do mundo inteiro batem à porta desta composição militar. Mas somente cerca de 800 deles conseguem dar conta de passar pela bateria intensiva de testes físicos e psicotécnicos.
Essas informações são dos próprios legionários, entre os quais o brasileiro Marcos dos Santos, 32 anos. Natural de Itapira (SP), ele serve, há três anos, no 2º Regimento Estrangeiro de Pára-quedistas (REP) — tropa considerada crème de la crème da Legião — em Calvi, cidade na ilha da Córsega. Segundo ele, não são os polpudos salários (que vão de 1,5 mil euros até mais de 5 mil para quem prossegue na carreira), e sim o espírito de aventura, que move a maioria dos soldados. Muitos deles parecem, também, ser guiados por um velho slogan da Legião ainda em voga: "chance de mudar de vida, qualquer que seja a origem, nacionalidade, religião, diplomas, nível escolar, situação familiar ou profissional".
Nenhum candidato é obrigado a fornecer a verdadeira identidade. Incorporado, o legionário passa a ser uma "pessoa não-civil", alguém que não existe juridicamente para o mundoMesmo nos dias atuais, o engajamento na Legião ainda é envolto em lendas e controvérsias. Ao se alistar, o candidato não é obrigado a fornecer a verdadeira identidade e nem relatar nada do que já viveu. Ele tem o anonimato assegurado e é protegido de qualquer ingerência relativa ao seu passado, graças a um decreto-lei francês de 1911. O legionário é juridicamente uma "pessoa não-civil", ou seja, por ser portador de uma identidade fictícia, não existe de fato. Por conseguinte, não pode se casar, nem tirar carteira de motorista, nem comprar imóveis ou veículos. Em suma, o soldado só existe para a Legião Estrangeira. Independente do estado civil, ele é considerado solteiro e sem vínculos familiares. Salvo em raríssimas exceções, ele pode obter a real identidade antes do término do contrato.


Engajados por um período compulsório de cinco anos, sem nenhum direito a desistência antes do prazo, os legionários estão sujeitos a uma disciplina severa dentro e fora da caserna. Prisão por deserção, tolerância zero para toda e qualquer falta, tratamento rude — "na porrada" mesmo, segundo Santos. Essas são só algumas das condições aceitas sem pestanejar por estrangeiros que salvaguardam os interesses de uma das sete potências mundiais e que cumprem sem titubear as letras miúdas do contrato. Esse, diga-se de passagem, é assinado logo de cara, na primeira semana, mesmo por aqueles que não falam uma só palavra da língua francesa. "Assinamos um papel atrás do outro, sem tradutor nem nada. A gente entrega a vida para eles no ato" , afirmou Santos.
Uma investigação minuciosa impede o recrutamento de condenados por crimes comuns, apesar de que "delitos leves" são relevados. Não existe, no entanto, definição do que a Legião Estrangeira entende por delitos de pouca importância. Pelo código da unidade, terroristas e demais criminosos procurados pela Interpol não são aceitos em nenhuma hipótese.


Asiáticos, europeus do leste e latino-americanos (com destaque para os brasileiros) somam 70% da Legião Estrangeira. Franceses mesmo, só 19%A maior parte dos legionários, cerca de 70%, vem de países que não falam francês. Em 2005, dos 900 novos engajados, 32% eram de eslavos provenientes do Leste europeu, sobretudo da Romênia, Rússia e ex-repúblicas soviéticas. Em seguida, vieram os latino-americanos, 24,5%, com destaque disparado para o Brasil. Soldados de nacionalidade francesa ou originários de ex-colônias somaram 19%. Os asiáticos, especialmente os chineses, são numerosos.
Além dos benefícios trabalhistas, sociais (férias, seguro-saúde e conta em banco, por exemplo) e toda a documentação concedida por um país conhecido por respeitar os direitos do homem, eles ainda podem requerer a cidadania francesa ao cabo dos cinco anos de serviço. O direito é assegurado por lei, bastando para isso apresentar um atestado de boa conduta expedido por um comandante da Legião Estrangeira às autoridades competentes.
Os legionários recebem seus vencimentos quase que totalmente livres de despesas. As refeições feitas no quartel são gratuitas de segunda a sexta-feira, e nos finais de semana pagas à parte (cerca de 4 euros – cerca de 10 reais). Aos salários iniciais, em torno de mil euros para quem serve no continente e de 1,5 mil para os alojados na ilha da Córsega, juntam-se os prêmios e bonificações pagos, quando os soldados partem em missões fora do território francês. Conforme o caso, os soldos podem até triplicar.
A reportagem tentou por diversas vezes contato por telefone e email com um dos quartéis da Legião Estrangeira na região de Paris, mas não foi atendida.


Desde que ingressou nas fileiras da Legião Estrangeira, em maio de 2005, o ex-piloto de helicóptero Marcos dos Santos já partiu em missões de prevenção em países como o Djibuti e Costa do Marfim (na África), e Nova Caledônia, possessão francesa na Oceania. Segundo Santos, os legionários recebem as instruções sobre o que vão fazer poucos dias antes do embarque. As missões duram de três a quatro meses.
Viajar sem conhecer o país de destino, os problemas lá vividos ou os interesses da França no local não é problema. "Somos mercenários", afirma legionário brasileiroSantos disse que o fato de viajar às cegas, sem conhecer com detalhes os problemas políticos e sociais dos países para onde é mandado, sem entender bem porque a França envia tropas para lá, fere sua ética, mas não chega a lhe tirar o sono, e pelo jeito nem o bom humor. "Somos mercenários, esqueceu?", comentou, rindo.
Santos deixou uma vida financeira e profissional estável no Brasil e desembarcou no aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, indo direto ao quartel Fort Nogent, em Fontenay sous Bois, cidade na periferia leste da capital francesa. Tinha a frase em francês decorada na ponta da língua: "Eu quero me alistar na Legião Estrangeira". Ele passou por exames médicos e psicotécnicos durante uma semana. "Eles querem ver se o sujeito é muito retardado", satirizou.
Na Legião, Santos, divorciado e pai de um menino de oito anos, teve mantida a nacionalidade brasileira, mas ganhou outra identidade: Roberto da Silva, literalmente seu nome de guerra. Depois da pré-seleção, foi levado para o quartel de Castelnaudary, na cidade de Aubagne, sul da França, onde ficou quatro meses sendo submetido, continuamente, a uma série de rigorosos testes físicos e psicológicos.
O legionário disse que a experiência em Aubagne beirou os limites do suportável. Conforme Santos, quem não tem muita estrutura emocional "bate os pinos cedo". A pressão a que são submetidos é intensa, relatou. "Assim que chega, a gente é obrigado a aprender os hinos e o código de honra da Legião em francês, repetindo as frases como papagaio, sem saber o que está cantando, como numa lavagem cerebral. E debaixo de pontapé". Santos contou também que o candidato que não decora direito as letras do hinário é obrigado a passar a noite fazendo flexões e lavando banheiro.


Nos finais de semana, folga e direito de ir à cidade. Mas nada de discotecas, baladas com mulheres ou bares mal-afamados. "Somos controlados. Temos que ter um comportamento exemplar"Dono de uma saúde perfeita, Santos pôde se dar ao luxo de escolher onde iria servir na Legião. E ele escolheu justamente o regimento mais difícil — o dos paraquedistas, os mais expostos em situações de combate. "Eu sabia que era ralação, mas quis assim mesmo. Por aventura. Verdade mesmo" , garantiu, sério.
A rotina na ilha da Córsega, contou Santos, se resume a fazer faxina, cuidar das fardas, lustrar botas, praticar exercícios físicos e estar sempre "ligado", pronto para ser chamado a qualquer hora do dia ou da noite. Nos finais de semana, impecavelmente uniformizados, os legionários são liberados para ir à cidade, apesar de que nem tudo o que diz respeito à vida mundana é permitido. Nada de discoteca, de baladas com mulheres ou bares mal afamados. "Somos controlados. Temos que ter um comportamento exemplar" , acrescentou.
Ainda que convicto do que faz, Santos não recomenda a ninguém o alistamento. "Não me arrependo. Queria conhecer o mundo, me aventurar. Ninguém morre antes da hora. O que não posso fazer é enganar os que querem vir, dizer que isso aqui é fácil. Eu mesmo não sei te falar se vou agüentar até o fim. Tem uns caras que não suportam e caem fora", alertou. O legionário disse que não sabe se vai pedir a cidadania francesa. "Não faço planos", concluiu.
Caso fique até o final do contrato, que termina em dois anos, Santos pode trazer para casa, por baixo, mais de 50 mil euros. Para isso, além de economizar, ele ainda tem que sair ileso de missões em países como o Gabão, Afeganistão, Kosovo ou qualquer outro lugar do mundo onde estoure um conflito que afete a França.



sexta-feira, 25 de março de 2016

Um brasileiro na Legião Estrangeira narra a luta. Parte Final

A descrição detalhada dos acontecimentos, embora longa, faz-se necessária para uma visão abrangente do que foram os terríveis combates na frente da Linha de Gazala e a defesa do reduto de Bir Hakeim.

A guarnição movimentava-se em direção a oeste, contornando as linhas inimigas, para alcançar o ponto de encontro fixado pela 7ª Brigada britânica. Alguns elementos conseguiram passar sem luta, outros foram obrigados a combater e só chegaram ao ponto de encontro aos poucos, às vezes um a um. O General Koenig partira, conduzido por sua motorista Susan Traveys, que lá continuava desobedecendo friamente à ordem de abandonar Bir Hakeim dada às auxiliares inglesas que serviam na 1ª Brigada dos Franceses Livres. Koenig chegou ao local do reagrupamento após ter estado, por várias vezes, à beira do cativeiro e da morte. O mesmo aconteceu ao Tenente-Coronel Amilakvari e ao Capitão Messmer, outros grandes heróis dessa epopéia. Anos depois Messmer seria Ministro da Guerra do General de Gaulle e, posteriormente, Primeiro-Ministro da França, no governo do Presidente Georges Pompidou.

A luz dos foguetes, dos projéteis luminosos e traçadores e das explosões das minas projetava-se, no deserto, como fogos de artifício a se prolongarem pela noite. A despeito da algazarra, Rommel não acreditou em uma retirada geral e, ao romper da aurora, bombardeou Bir Hakeim, onde só restava um punhado de homens, em sua maioria feridos. Dois terços da 1ª Brigada dos Franceses Livres conseguiram arrancar-se da situação difícil. Foi após a luta desesperada de Bir Hakeim que a França reencontrou sua alma e que o movimento de resistência tomou impulso.

                                                           Trincheira em Bir Hakeim



No dia 11 de junho, pela manhã, minha unidade recebeu ordens para retornar, patrulhando, até as proximidades de Gambut e juntar-se a uma coluna semi-blindada britânica, que vinha na direção de Sidi Rezegh. Preparamo-nos para cumprir a missão e partimos às 14h. Além do armamento normal, levávamos, cada um, mais quatro granadas presas na cintura.

Ao escurecer, observamos ao longe foguetes coloridos, assinalando a presença da coluna que procurávamos. Ou melhor, assim pensamos, mas, quando nos aproximamos, noite fechada, fomos cercados por uma coluna alemã que também patrulhava a área. Os soldados nos cercaram e um oficial gritou em francês: “larguem as armas! Saltem todos dos caminhões!”

Caíramos numa armadilha e, horrorizados, víamo-nos aprisionados pelo inimigo. Alguns legionários pularam dos caminhões, inclusive os do meu pelotão, mas não nos conformávamos com o que estava acontecendo. De repente, na escuridão da noite, um legionário do 2º pelotão, abissínio, ao saltar do caminhão, conseguiu tirar o pino de uma granada e atirá-la na direção dos alemães. Os alemães se espalharam atirando e nós também. No tumulto, ouvi nosso tenente gritar: “Salvem-se como puderem! Corram para os caminhões!”

Em debandada, corremos para os caminhões que já estavam em movimento, tentando fugir. A fuzilaria era intensa. As balas passavam zunindo por todos os lados. Parei um instante, joguei uma granada na direção dos que atiravam contra nós e disparei para pegar o caminhão, onde já se encontravam alguns companheiros do meu pelotão gritando por mim. Corri como um louco e consegui agarrar-me a tampa traseira da carroceria, mas não tive força para subir e deixei-me arrastar, gritando por ajuda. Agarrando com força e gritando, fui sendo levado pelo caminhão em disparada, ouvindo o zumbido das balas que passavam. Foi um horror!...

Quase perdendo as forças, finalmente consegui passar a mão direita por dentro da folga da corrente que prendia a tampa traseira na carroceria e senti mais firmeza. Deixei-me arrastar continuando a gritar por ajuda. Nisso ouvi forte explosão do lado direito. O caminhão que corria próximo ao nosso fora atingido por um tiro de canhão e explodira em chamas. Outra explosão, bem perto, também não nos atingiu. Quando já nos distanciáramos e a situação parecia mais calma, meu amigo Marcheval veio ao meu socorro puxando-me para dentro do caminhão pela camisa, que ficou completamente rasgada. Caí no chão da carroceria completamente esgotado, sentindo uma dor muito forte no pulso da mão direita, que prendera na corrente da tampa traseira.

O caminhão, aos solavancos, continuava em, alta velocidade Dez minutos depois, bateu com violência na borda de um enorme buraco, jogando-nos uns contra os outros numa confusão dos diabos. Não mais andou; com a forte batia, a suspensão dianteira ficara danifica e tivemos que abandoná-lo.

Só a claridade das estrelas nos iluminava. Antes de pularmos do caminhão, percebemos que os alemães ainda nos perseguiam. Para nós, legionários, era humilhante não enfrentá-los, mas não havia alternativa senão a de escapar daquela situação e nos juntarmos ao restante da brigada. A prioridade era voltar ao combate. Se resolvêssemos parar e lutar, nosso sacrifício seria em vão. Apressados, pegamos nossas armas e tudo que nos foi possível encontrar naquela balbúrdia e no escuro. Pulamos do caminhão e disparamos a correr pelo deserto.

                                         Tripulantes de blindados italianos, mortos em combate

A princípio, ficamos desorientados. Não identificávamos bem nossa posição, mas o tenente decidiu seguir em direção ao norte, rumo ao litoral. Quando amanheceu, fizemos um balanço da situação e do que tínhamos conseguido trazer do caminhão. Contando com o tenente, éramos nove. Marcheval, Louzada, Shielguemilch, Guerin e eu éramos do mesmo pelotão. Os outros três eram do 2º pelotão. Um deles eu conhecia, chamava-se Martinez, de nacionalidade colombiana. Cada um de nós trazia sua arma e vários pentes de bala. Contávamos ainda com um fuzil FM, 13 granadas de mão ofensivas, 5 punhais de comandos, 4 cantis cheios de água, 3 tabletes de chocolate, 6 latas de ração, algum medicamento e 1 tubo de sulfa em pó. O tenente estava ferido. Uma bala de fuzil atravessara seu ombro esquerdo, fraturando-lhe a clavícula. Resultado final do balanço: o tenente ferido, comida e água em quantidade que mal dava para um dia, e nenhuma idéia de quanto tempo teríamos que caminhar pelo deserto até encontrarmos nossa gente. Depois de tratarmos do ferimento do tenente e de imobilizarmos seu braço, a ordem foi continuar a caminhada rumo ao litoral, bem distanciados uns dos outros, para não sermos localizados pelos aviões ou eventuais patrulhas inimigas.

Quando atingimos o topo da crista, avistamos ao longe um trecho da Via Balbia, o que nos permitiu saber onde nos encontrávamos. Tudo parecia calmo. Sem perigo a vista, o tenente nos reuniu para novas instruções. Ficou decidido que seguiríamos no rumo sul até encontrarmos a trilha para o Forte Capuzzo. Daí prosseguiríamos andando, enquanto fosse possível. Já passava das 16h quando localizamos a trilha: caminhamos até as 20h e fizemos uma parada. Até então nada havíamos comido ou bebido. Sede e fome começavam a nos torturar. O sol e o calor nos haviam maltratado durante todo o dia, e sentíamos enorme cansaço. Bebemos dois goles de água e dividimos duas latas de ração, nada mais. Continuamos a caminhada até um pouco depois da meia-noite. Considerando que já nos afastáramos alguma coisa da área crítica, o tenente autorizou que descansássemos até o amanhecer, revezando-nos na vigilância. A noite foi muito fria. Tremendo, pois não conseguira outra camisa, quase não dormi.

A madrugada do dia 13 de junho chegou trazendo muita ventania. Quando amanheceu, sufocados, cobertos de pó, maldizendo o tempo, nem nos dávamos conta que a tempestade de areia que amaldiçoávamos era nossa mais forte aliada naquele momento. O inimigo também seria obrigado a uma incômoda parada para se proteger. Seus aviões ficariam retidos nas pistas de pouso.

A tempestade tudo obscurecia e encobria o sol. Por volta das 13h, houve ligeira melhora no tempo. Aproveitamos para sair em busca de um abrigo mais seguro. Caminhamos por mais duas horas, mas, novamente, ficamos impossibilitados de prosseguir porque a tempestade voltou com mais violência, quase caímos num desfiladeiro. Tivemos que nos abrigar precariamente.

Por mais dois dias o vento soprou com violência. Finalmente, na madrugada do terceiro dia, de repente, tudo se acalmou e voltamos a enxergar o céu estrelado. Ouvia-se ao longe o troar dos canhões da artilharia alemã bombardeando Tobruk.

                                       O autor, junto a um Bren carrier com canhão de 25 mm

Já estávamos em 16 de junho. Nossa ração de água e comida era quase nenhuma. O tenente amanheceu febril. O ferimento parecia infeccionado e pouco podíamos fazer para ajudar. Limpamos a ferida e borrifamos com pó se sulfa. Em seguida, prosseguimos caminhando por mais dois dias, com relativa segurança. Ficávamos escondidos entre os arbustos ao avistar aviões ou patrulhas inimigas ao longe. Por sorte, não nos viam, porque mantínhamos distância uns dos outros. O sol implacável nos maltratava. Era como se toda a energia tivesse abandonado nosso corpo. A vontade era deitar e esperar que o amaldiçoado astro desaparecesse. Entretanto, não podíamos parar. As horas se arrastavam, até que o sol se pôs. Andamos mais um pouco e o tenente nos permitiu parar para um pequeno descanso. Nossas bocas e gargantas estavam completamente ressecadas. A sede era insuportável. A água que restava no quarto e último cantil foi dividida igualmente, o que coube a cada um foi insuficiente para aliviar nosso tormento. A comida já acabara. Cansadíssimos pernoitamos ali mesmo.

Na manhã do dia seguinte, o moral era baixo. Constatou-se que o Martinez na véspera, largara seu fuzil pelo caminho. Quando o tenente ficou sabendo, mandou que ele voltasse para buscá-lo, dizendo-lhe: “Um verdadeiro legionário jamais abandona sua arma. Volte!”.

Martinez olhou para nós como a pedir ajuda, mas ninguém disse nada. Também sem dizer nada, virou-se e partiu para apanhar o fuzil que abandonara. Nunca mais voltou. Meses mais tarde, soubemos que caíra prisioneiro de uma patrulha italiana e que estava internado num campo de prisioneiros de guerra na Itália.

De novo caminhávamos sob o sol. Aquele dia parecia o mais quente de todos. Já não suportávamos o tormento da sede, muito maior que a fome a corroer nossos estômagos. Como quase sempre acontecia, Marcheval e eu caminhávamos separados, mas bem à frente dos outros. Andando com dificuldade, com os pés inchados e doloridos, sentia minha resistência diminuir a cada passo que dava. Parecia que o fim havia chegado. Já estava perdendo as esperanças quando vi que Marcheval, como que por instinto, caíra deitado no chão e começara a rastejar. Fiz o mesmo e fiquei quieto, depois de sinalizar para que os outros companheiros também o fizessem. Teríamos alcançado a linha de frente britânica? Aproximei-me de Marcheval e, rastejando, subimos uma pequena inclinação no terreno. Ouvimos vozes e ficamos imóveis, tentando identificar o idioma que falavam. Pareceu-nos árabe ou indiano. Resolvemos arriscar. Levantamos e gritamos. No mesmo instante, o horizonte encheu-se de soldados e pudemos ouvir os estalos dos ferrolhos de suas armas. Identificamo-nos e mandaram que nos aproximássemos. Graças a Deus, eram de fato nossos aliados. Estávamos salvos!

                                                             Patrulha no deserto

Os nossos “anfitriões” eram de uma unidade britânica de soldados hindus; estavam colocando minas em áreas estratégicas, ao longo da linha de defesa na fronteira do Egito com a Líbia. Acolheram-nos com respeito e preocupação, quando viram o estado em que nos encontrávamos. Bebemos água em pequenos goles e, em seguida, uma caneca de chá com leite. Quando, finalmente olhamos um para o outro, começamos a rir de nervoso, gritando, pulando e nos abraçando, para surpresa dos soldados que nos rodeavam sem entender nada. Estávamos irreconhecíveis. Tínhamos uma aparência horripilante, parecíamos múmias ou zumbis saídos do fundo da cova, cobertos de poeira dos pés à cabeça. A cena era trágica e cômica ao mesmo tempo. Por fim, caímos deitados no chão e dormimos profundamente.

Pela manhã, depois de nos lavarmos e de melhorarmos a aparência, fomos conduzidos ao serviço médico, examinados e tratados na enfermaria da unidade. Um soldado me presenteou com uma camisa. O bravo tenente que nos comandava, devido à gravidade do seu estado de saúde, fora medicado logo ao chegar e transferido para um hospital de campanha britânico, possivelmente para ser operado. Após a refeição que nos serviram, um oficial inglês chegou com instruções para nos transportar até Mersa Matruh. Embarcamos em seguida.

Durante a viagem, soubemos que Rommel havia recomeçado a ofensiva logo depois da conquista de Tobruk, onde fizera mais de 33 mil prisioneiros sul-africanos. Avançava, agora, em direção ao Egito. O General Ritchie tentava reorganizar o VIII Exército na fronteira, para conter o avanço do Afrika Korps. Este era o quadro quando nos juntamos ao batalhão em Mersa Matruh, no dia 21 de junho de 1942.

Em 23 de junho, a vanguarda das forças do Africa Korps alcançou a fronteira egípcia. Prosseguindo no avanço, Rommel combatia e dispersava as forças britânicas que o enfrentavam, chegando às proximidades da linha de defesa em Mersa Matruh no dia 25. Suas colunas avançadas já tomavam posição de ataque próximo ao local onde estávamos, quando fomos substituídos por tropas britânicas e enviados a construir outra linha de defesa em Fouka, nas cercanias de El Daba. Passamos o dia a cavar trincheiras.

Todo o VIII Exército britânico estava cansado, disperso, confuso e em condições desesperadoras. Igualmente, era esse o nosso estado de espírito. Eu, particularmente, sentia-me esgotado e desmotivado para cavar novas trincheiras. Além disso, já era quase noite; cavei apenas um buraco para abrigar-me. Com o passar das horas, como tudo parecia tranqüilo e fazia frio, resolvi abrigar-me melhor debaixo do nosso caminhão, estacionado ali perto. Pela madrugada, quase ao raiar do dia 26, o companheiro que se abrigava a meu lado acordou-me dizendo que aviões inimigos sobrevoavam nossas posições. Não demorou, começaram a lançar foguetes luminosos presos em pára-quedas. Toda a área clareou como se já fosse dia.

Repentinamente, ouvimos o som característico dos aviões de mergulho e o assobio das bombas caindo. O inferno desabara sobre nós. As bombas explodiam por todos os lados. Uma explosão mais próxima nos deixou surdos. Um calor insuportável começou a nos incomodar terrivelmente. Era o nosso caminhão pegando fogo, já quase a nos queimar também. Tinha sido seriamente atingido por estilhaços da bomba. Sequer fiquei sabendo quem me arrastou até uma trincheira onde fiquei deitado, sangrando e completamente atordoado, ainda sem poder movimentar a perna esquerda. O bombardeio continuou intenso, cessando algum tempo depois.

O ataque aéreo ocasionara a morte de dois legionários, ferimentos em quatro, inclusive eu, e a destruição de dois caminhões. Com os outros feridos, fui levado para a enfermaria do batalhão. Ao examinar meus ferimentos, o tenente médico, Richard Martin, constatou que não tinha recursos para extrair os estilhaços, deu-me uma injeção de morfina para a aliviar as dores e removeu-me para o hospital de campanha britânico montado à retaguarda, juntamente com outro legionário, ferido gravemente no ventre e nas pernas.

Duas horas depois, chegando ao hospital, fomos deixados numa grande barraca de lona, onde já se encontravam outros feridos aguardando a vez para serem operados. Nesse momento, ao ver os feridos sendo medicado ou aguardando o cirurgião para operá-los, ouvindo seus gemidos de dor, é que comecei a acordar para o lado negro e cruel da guerra. Deitado bem perto de mim, um ferido gemia: a explosão de uma mina tinha-lhe dilacerado as duas pernas, mas adiante, um outro sangrava, com o ventre aberto, ao meu lado esquerdo, podia ver alguém sem um dos braços, mais para o fundo da barraca, outro gritava de dor, todo mutilado.

Diante deste quadro, tomava consciência da violência, da brutalidade, da dor, do sofrimento e do grande sacrifício a que estavam sendo submetidos os bravos soldados que lutavam nessa maldita guerra. A ambição e a ideologia de homens que queriam dominar o mundo os haviam jogado nesse cataclisma. Testemunhando tanta desgraça, sentia, mais do que nunca, o acerto de minha decisão de lutar ao lado dos que defendiam a liberdade e a civilização cristã.

Fui levado para outra barraca e examinado pelos cirurgiões, ouvi quando um deles disse: “Podem levá-lo. Tirem a radiografia e o preparem que eu mesmo vou operá-lo e extrair os estilhaços da bomba”.

Acordando da anestesia, senti que a perda esquerda tinha sido engessada do pé até a virilha. Os pequenos estilhaços que tinham penetrado em outras partes do meu corpo, embora sem gravidade, também tinham sido extraídos. Novamente fui levado para outra barraca e informado que seria embarcado numa ambulância e transferido para um hospital em Alexandria, onde ficaria internado. O tratamento que recebi no hospital de campanha foi excelente. Soube, mais tarde, que tinha sido operado por um grande cirurgião inglês, brigadeiro da RAF.

Quando estava sendo colocado na ambulância, soou o alarme de ataque aéreo. Ouvi o ronco inconfundível dos motores dos aviões alemães que nos sobrevoavam, mas não atacaram. Ouvi também o troar dos canhões atirando não muito longe de onde estávamos, e soube, pelos padioleiros, que já estavam tomando providências no sentido de deslocar o hospital de campanha para além de El-Alamein.

A ambulância ia aos solavancos, rodando em comboio por trilhas no deserto, pois a estrada asfaltada era utilizada no trânsito das tropas e dos carros-de-combate que iam reforçar os que lutavam na linha de frente. Os solavancos incomodavam muito. A dor na perna aumentava ainda mais. Por cima da minha maca tinha sido colocada outra com um soldado inglês bastante ferido e que não parava de gemer. Já tínhamos rodado algum tempo, quando comecei a sentir algo pingando no meu peito, vi que era sangue, caindo da maca de cima. Fiquei apavorado. O ferido deveria estar sofrendo forte hemorragia. Preso na maca, não podia me mover. Angustiado, tentei chamar o motorista ou o padioleiro. Gritei o mais alto que pude, mas não fui ouvido. Continuei gritando sem parar. Passado algum tempo, a ambulância parou. Eu continuava a gritar tão alto quanto podia, já rouco. Quando o padioleiro abriu a porta para saber a razão dos meus gritos, era tarde. O ferido havia falecido, esvaindo-se em sangue. Esse fato, um dos horrores da guerra, ficou indelevelmente registrado em minha memória.

Pouco tempo depois ficamos hospitalizados em Alexandria. No início do mês de julho, os soldados franceses feridos foram transferidos para um outro hospital em Beirute, no Líbano. Antes da partida, soube que o General Auchinleck decidira assumir pessoalmente o comando na frente de batalha e que partira de avião do Cairo no dia 25 de junho para substituir o general Ritchie. Mas, nem mesmo ele conseguiu reagrupar os sobreviventes do VIII Exército antes de retornarem às posições de El-Alamein, onde, finalmente, o avanço de Rommel foi sustado.

O autor servia no 3º pelotão da 3ª Companhia do 1º Batalhão da Legião estrangeira, ligado à 13ª Meia-Brigada da Legião, com honras de combate de Camerone, 1863; Bergevik-Narvik, 1940; Kerem-Massaoua, 1941 e o batalhão sendo comandado pelo Capitão Paris de Bolladière.

O texto reproduzido aqui por gentil autorização do autor é parte do capítulo Bir Hakeim do livro, mas não a íntegra do mesmo. Recomendamos a compra do livro, que trata do recrutamento, treinamento e serviço do autor na Legião Estrangeira, bem como outras aventuras durante e depois da guerra.

                                                       O autor com De Gaulle em 1964

Um Brasileiro na Legião Estrangeira narra a luta. Parte II

Desde o amanhecer de 3 de junho, porém, o ataque a Bir Hakeim tomara impulso. O duelo de artilharia começou ao clarear o dia, mas, para tristeza dos artilheiros franceses, seus canhões de 75 mm foram incapazes de alcançar os 105 alemães que martelavam a posição. Pela manhã, dois ingleses apareceram do lado de fora do perímetro. Um deles era o motorista do infeliz Capitão Tomkins, capturado no dia anterior. Trazia uma mensagem de Rommel, rabiscada na folha de um bloco de comunicações alemão. Dizia:

Às tropas de Bir Hakeim

Qualquer resistência ulterior só lhes servirá para aumentar o inútil derramamento de sangue. Vocês sofrerão o mesmo destino das duas brigadas britânicas que há dois dias foram exterminadas em Got el Ualeb. Cessaremos fogo se hastearem a bandeira branca e vierem até nós desarmados.

Assinado: Rommel. General Oberst.

Koenig não respondeu ao ultimato de Rommel. Em vez disso, transmitiu a seus comandantes de unidade uma ordem em que avaliava e dava suas instruções.

1. Devemos esperar um ataque em grande escala, para breve, em que o inimigo virá certamente com aviões, carros-de-combate, artilharia e infantaria.

2. Cumpram o dever sem vacilação, qualquer que seja a situação em que estiverem, junto aos companheiros ou deles isolados.

3. Defendam o terreno a qualquer preço, até que nossa vitória seja completa.

4. Esta ordem tem de ser transmitida claramente a todas as fileiras.

5. A todos, boa sorte.

                                                                    General Koenig

Na tentativa de quebrar o moral da guarnição, Rommel chamou os Stukas. Entre 11h30 min e 13h30 min, registraram-se quatro ataques, todos desfechados por grande número de aviões. A escassez de munição de 40 mm para os canhões Bofors limitou a resposta dos franceses aos atacantes. O apoio da RAF foi extremamente eficaz. Um grupo de 12 Stukas apareceu sobre a posição no mesmo instante em que chegava uma patrulha de Hurricanes. Sete bombardeiros de mergulho foram derrubados e os aviões britânicos foram embora acompanhados de entusiásticos vivas das tropas em terra.

Embora o ritmo dos bombardeios não diminuísse, não houve ataque sério por terra durante os primeiros dias de junho. Elementos da 90ª Ligeira e da Trieste, embora posicionados em torno de Bir Hakeim, não puderam movimentar-se devido à feroz atividade de patrulhamento dos britânicos. Embora o Alto Comando britânico fosse hostilizado, não abandonou o apoio terrestre aos franceses. Crédito particular cabe à 7a Brigada Motorizada, do Brigadeiro Renton, cujas colunas atacaram a retaguarda alemã.

Os homens que dirigiam os comboios de abastecimento, noite após noite, também merecem menção especial. Tinham de aguardar em território fervilhante de patrulhas alemães e, quando a oportunidade, encontrar o caminho para o interior de Bir Hakeim através dos campos minados que o circundavam. Sem seus esforços, Bir Hakeim poderia ter tido, a despeito da bravura de seus defensores, o mesmo destino da casamata de Sidi Muftah, cuja resistência fora prejudicada pela carência de água e munição.

Na quinta-feira, 4 de junho, o bombardeio de artilharia e aéreo prosseguiu. Como os canhões de 75 mm haviam disparado 2.500 cartuchos no dia anterior e só lhes restavam 500, fizeram apenas disparos ocasionais contra a artilharia inimiga. Uma mensagem de rádio do VIII Exército prometeu que mais munição seria enviada assim que possível e informou a Koenig que uma contra-ofensiva britânica ao “caldeirão” – a malfadada “Operação Aberdeen” – seria desfechada no dia seguinte.

Às 4h30 min de 5 de junho, os alemães fizeram outra tentativa de persuadir os defensores a depor as armas. Um oficial germânico, num caminhão, chegou até as posições ocupadas pela 5a Companhia do 2o Batalhão da Legião e solicitou uma negociação. A sentinela da Legião, por coincidência um alemão, disse ao oficial, claramente, que Koenig proibira qualquer negociação. O oficial foi-se embora muito irritado, mas se afastara apenas alguns metros quando seu veículo atingiu uma mina e parou, em meio a uma nuvem de fumaça. Oficial e motorista saltaram e continuaram a pé.

Durante a noite, a guarnição foi reabastecida de água e munição. Cada homem poderia contar, por três dias, com dois litros de água, e suprimentos para mais três dias de reserva. Seis mil projéteis para os 75 mm também chegaram e a artilharia pode reiniciar seus disparos de contra-bateria. Infelizmente, os alemães estavam usando canhões de 155 mm, que ultrapassavam em muito o alcance dos 75 mm. A artilharia francesa fez um grande esforço para atingir aquelas peças, movendo-se para fora do perímetro, conseguiu apenas impedir que as baterias inimigas se aproximassem mais. Mais tarde, naquele mesmo dia, a infantaria alemã tentou fazer algumas infiltrações, mas foi detida a 1.500 m. de distância pelo 75 mm e morteiros. As baixas alemães foram grandes; o grupo de combate do Coronel Wolz, constituído de unidades leves apoiadas pelos Panzergrenadieren da 90ª Ligeira, foi seriamente atingido.

                                           A posição de Bir Hakeim, com os campos de minas

Em 6 de junho, dia em que Rommel saiu do “caldeiraõ”, o inferno em Bir Hakeim ficou mais quente. Dois poderosos ataques foram desfechados contra o Batalhão do Pacífico, que repeliu ambos, a custa de numerosas baixas. Do oeste, cerca de vinte carros-de-combate chegaram às proximidades do campo minado e dispararam contra a posição. A artilharia respondeu vigorosamente, mas a escassa quantidade de munição limitou os canhões a um disparo por minuto; mais tarde, apenas um canhão em cada bateria pode disparar.

Domingo, 7 de junho, foi um dia relativamente calmo. O bombardeio diminuiu um pouco e registrou-se apenas uma incursão de Stukas. O grupo de vigilância da posição norte, fortemente atacado, viu-se obrigado a recuar para dentro do perímetro principal. Depois do anoitecer, chegou um ansiosamente esperado comboio de munição; 15 veículos, incluindo 2 caminhões com 2.000 litros d’água penetraram as linhas francesas.

O dia 8 de julho amanheceu com denso nevoeiro que encobria tudo e cegava os nossos postos de observação. Atrás da cortina de névoa, podíamos ouvir o chocalhar das lagartas dos carros-de-combate e o vozerio dos soldados de infantaria deslocando-se para o ataque.

Rommel finalmente decidira eliminar Bir Hakeim e, com esse objetivo, mandara poderoso destacamento da 15ª Panzer para ajudar a 90ª Ligeira e a Triestre. Quando o nevoeiro se dissipou, a artilharia alemã abriu fogo com grande violência, concentrando-se sobre um batalhão da Legião. Stukas uivavam sobre as defesas e caças varriam o deserto, metralhando postos de observação e de bateria.

Às 10h55 min, os Pazergrandieren da 15ª Panzer, bem apoiados por carros-de-combate e blindados leves, avançaram contra o setor noroeste. A infantaria alemã deslocava-se com entusiasmo; a cota 186, um trecho importante de terreno relativamente alto, parecia ser o objetivo. O batalhão da Legião saía-se bem, mas foi obrigado a recuar, perdendo muitos homens. Sua 6ª Companhia foi dizimada e teve de ser reforçada pela 22ª Companhia africana. Os transportes Bren da Legião estavam a postos para levar homens ao setor ameaçado da penetração. Sessenta Stukas desfecharam um ataque no começo da tarde, infligindo mais danos à guarnição em apuros, e a infantaria alemã tornou a avançar, antes mesmo que tivesse assentado a poeira levantada pelas bombas lançadas dos terríveis aviões.

O posto de observação de artilharia da Cota 186 silenciara desde antes do meio-dia, prejudicando os disparos dos 75 mm. Outra leva de infantaria inimiga avançou, dessa vez contra o setor da Legião. Toda a frente norte estava sendo violentamente atacada. As linhas do posto de comando de Koenig foram cortadas pelo fogo de artilharia; poeira e fumaça obscureciam a visão geral da batalha. A situação se agravava; muitos canhões antitanque já se encontravam fora de combate; um 75 mm recebeu tiro certeiro e foi reduzido a destroços, bem como sua guarnição. Uma granada alemã atingiu um dos depósitos de munição que, ao explodir, produziu enorme clarão e fragor intenso.

                                                            Reunião antes do combate

Koenig enviara repetidas ordens a seus comandantes de unidade, salientando que a infantaria deveria manter-se firme, ainda que ultrapassada por blindados. Insistia para que eles deixassem passar os carros-de-combate, mas contivessem a infantaria alemã que viria atrás deles. Todas as peças de artilharia deveriam concentrar-se em deter os blindados. Finalmente, ordenou que, se fosse inevitável a queda da praça que defendiam, todos os documentos secretos deveriam ser queimados.

Ao anoitecer, o círculo de defensores permanecia intacto, embora seriamente forçado. O Batalhão de Marcha, a noroeste, perdera muito terreno; a 6a Companhia do Batalhão foi retirada para a reserva da brigada, indo ocupar o lugar deixado por ela na linha defensiva a 22ª Companhia norte-africana.

Os dispositivos médicos estavam à beira do colapso, mas a equipe da brigada se multiplicava em esforços para dar atendimento aos feridos, cada vez mais numerosos. A escassez de água não permitia a lavagem dos ferimentos. As substâncias para assepsia dos locais atingidos eram escassas, assim como anestésicos, plasma, sulfa etc. A RAF conseguira lançar de pára-quedas alguns suprimentos médicos, mas o pára-quedas não abriu. Caindo vertiginosamente contra o solo, espatifara-se o material ansiosamente esperado.

Apesar da extrema gravidade da situação, o moral dos defensores da praça permanecia elevado. Compreendiam todos que estava em jogo não apenas o destino de uma encruzilhada de trilhas do deserto, mas muito mais que isso. A verdade é que se Bir Hakeim caísse, Rommel poderia voltar-se contra o resto do VIII Exército, ainda aturdido após a derrota no “caldeirão”, criando complicação muito mais séria. Falhassem os homens das Forças Francesas Livres no cumprimento da ingente tarefa que tinham pela frente e o dobre de finados teria soado para o Exército francês pela segunda vez em dois anos. Evidentemente, após vários dias de luta feroz e a possibilidade de muitos mais, os defensores de Bir Hakeim não romantizavam seu papel. Sede, fome, ferimentos e morte era o que tinham pela frente. Koenig enviou a seguinte mensagem para o comando britânico: “Estamos cercados. Nossos pensamentos estão voltados para vocês. Estamos confiantes. Viva a França Livre!” Na intimidade das páginas de seu diário, de Gaulle confidenciaria: “Bir Hakeim – lágrimas de júbilo, lágrimas de orgulho!”

                                               As diversas nacinalidades nas tropas francesas

Terça-feira, 9 de junho, foi outro dia de sol causticante no deserto. A guarnição, já então muito cansada, tinha os raros momentos de sono constantemente interrompidos por alarmes noturnos e por foguetes luminosos alemães que banhavam de luz fantasmagórica toda a área. Quase sem água, ração e munição, vivíamos na expectativa de mais um ataque, com decidida determinação, ainda que fisicamente extenuados pela defesa titânica. À guisa de prelúdio, os canhões e aviões alemães saturavam a posição com bombas de alto poder explosivo. Os fios telefônicos foram cortados novamente – e não havia mais fio para substituí-los.

Às 13h o ataque se desenvolveu contra o Batalhão do Pacífico e o Batalhão da Legião. A infantaria alemã que avançava era auxiliada por carros-de-combate e canhões de 50 mm que se moviam em estreito apoio e destruíram mais outros de 75 mm. Os alemães abriam caminho lutando obstinadamente e conseguiram enfiar uma cunha entre duas companhias do Batalhão de Marcha. Houve um feroz corpo-a-corpo: um soldado alemão foi abatido a poucos metros de um canhão de 75 mm. Por instantes, parecia que os soldados africanos cederiam à tremenda pressão. Quando o colapso parecia inevitável, ouviu-se um troar vindo da retaguarda: uma das seções de transportes Bren da Legião apareceu apressada. Os legionários estavam relativamente descansados e fecharam a brecha, obrigando a infantaria inimiga a recuar.

Também no sul a guarnição estava sob violento ataque. Parte da 90ª Ligeira alemã, cuja artilharia estivera apoiando o ataque no norte, desviou-se e atacou o Batalhão do Pacífico. Os alemães sofreram seriamente – 250 corpos foram contados na frente das posições do batalhão -, mas, ao amanhecer, eles se haviam estabelecido a pouco mais de 200m do forte. Esses ataques foram acompanhados de tentativas mais sutis para provocar a queda de Bir Hakeim.

Uma mensagem de rádio, supostamente da 7ª Divisão Blindada britânica, chegou ao posto de comando de Koenig. “Estamos sendo atacados”, anunciava desanimadamente, “e não podemos ajudá-los”. Diga ao seu chefe que se renda para evitar mais derramamento de sangue”. A mensagem fora transmitida em inglês incorreto, com traços de sotaque alemão, e não enganou a ninguém. Às 20h, um ataque maciço de Stukas martelou a posição cercada. Uma bomba caiu numa enfermaria, matando 19 feridos. Vários caminhões e grande parte da ração que estava sendo distribuída foram destruídos. O Batalhão do Pacífico sofreu rude golpe – o Tenente-Coronel Broche e seu ajudante, Capitão de Bricourt, foram mortos quando uma granada atingiu o posto de comando do batalhão.

Os atacantes também sofreram pesadas baixas. O grupo de combate do Coronel Hecker, comandante dos sapadores do Panzer, vinha sendo a ponta-de-lança do ataque desde a noite de 8 de junho, e perdera 10 dos seus 11 carros-de-combate e grande parte da infantaria. Hecker fora reforçado pelo Grupo Baade, dois batalhões do 115º Regimento de Panzergrenadieren da 15ª Divisão. Os homens de Baade também foram seriamente maltratados, sobretudo na luta feroz em torno do velho forte situado na extremidade sul da posição.

Ao anoitecer do dia 9, Koenig viu claramente que Bir Hakeim não poderia ser defendida por muito mais tempo. A Cota 186 fora perdida, o que permitia aos alemães dominar o setor do Batalhão da Legião. A situação no sul, em torno do forte, também era crítica. As perdas, em homens e equipamento, haviam sido elevadas e a permanente escassez de munição era fonte constante de preocupação. Koenig viu-se diante de difícil decisão: permanecer em Bir Hakeim e correr o risco de aniquilamento total, em futuro próximo, ou tentar escapar. Ritchie sempre exortara Koenig a resistir, mas, ainda na tarde de 9 de junho, a 7ª Divisão Blindada britânica perguntou-lhe, pelo rádio, se ele considerava aconselhável sair dali. Koenig manifestou-se favorável a retirada, desde que houvesse transporte suficiente para todos os feridos. Como a 7ª Blindada não dispunha de veículos suficientes na noite de 9 para 10 de junho, decidiu-se que a tentativa seria feita na noite seguinte.

Em 10 de junho, o grupo de combate do Coronel Baade fez, ao norte, considerável progresso, penetrando na principal linha de defesa. A seção de carretas transportadoras de Bren do Tenente Dewey, da Legião, lançou-se ao contra-ataque, seguindo-se luta violenta. O próprio Rommel se encontrava na companhia do Grupo Baade, naquele momento, e referindo-se à ferocidade do combate, disse: “Os franceses defendiam desesperadamente cada ninho de resistência e, com isso, sofriam baixas terríveis”.

Num esforço supremo, os legionários de Dewey conseguiram conter a penetração. No meio da manhã, 110 aviões submeteram a posição a terrível castigo. Nada menos que 130 toneladas de bombas caíram sobre Bir Hakeim durante aquele dia.

À noite, Rommel informou ao Alto Comando, na Alemanha, que Bir Hakeim cairia no dia seguinte. Sem dúvida isso chegava bem a tempo para Kesselring, pois ele via as perdas da Luftwaffe naquele setor com crescente desalento. Já insistira junto a Rommel para que vencesse os franceses com os carros, de modo a poupar a arma aérea; Rommel acertadamente, calculara que um ataque maciço de carros-de-combate a Bir Hakeim só poderia resultar em grandes perdas de blindados nos campos minados. Por isso estava convencido de que mais um esforço levaria os franceses ao colapso, o que era bem provável.

Durante o dia 10, os morteiros da guarnição haviam disparado a última munição; para os canhões restavam apenas uns poucos cartuchos. Enquanto os alemães se preparavam para o ataque decisivo, Koenig cuidava da retirada.

A retirada é das situações mais difíceis numa guerra, quase sempre realizada com o moral da tropa muito baixo – diga-se, a bem da verdade, que não era o caso dos franceses livres. Requer planejamento meticuloso e um cronograma cuidadosamente calculado. Um pequeno erro pode causar não apenas ligeiro revés tático, mas grande desastre. A noite é o momento para realizá-la, embora a escuridão aumente bastante os problemas de controle e navegação.

Os riscos que os franceses teriam que enfrentar na retirada de Bir Hakeim eram numerosos. Seria preciso conduzir uma grande força, com transporte e equipamento, através de campos minados e à frente do inimigo – sempre vigilante – para fora de Bir Hakeim. O melhor caminho de saída era em direção leste, pelas posições da Legião. Koenig, no entanto, decidiu não usá-lo, pois os alemães sabiam ser esta a mais provável linha de retirada. Assim, deu ordens para abrir uma passagem de 150 metros de largura no campo minado ocidental, logo ao norte do velho forte. A 7ª Brigada Motorizada forneceria caminhões e ambulâncias, que aguardariam por Koenig no deserto, oito quilômetros a sudeste de Bir Hakeim. Uma ordem de operações detalhada delineava todo o plano. As unidades que se encontravam em contato como inimigo ficariam para trás até o último momento; duas companhias permaneceriam com o grupo de despistamento. O equipamento que não pudesse ser retirado seria destruído. Os documentos secretos foram colocados na viatura de Keonig, à exceção de uns poucos, mais importantes, que ficaram na pasta do Tenente-Coronel Masson.

Entretanto, como acontece em tantas operações militares, as coisas não saíram de acordo com os planos. O carregamento dos veículos demorou mais do que o esperado, a comunicação entre Keonig e seus comandantes de unidade e destes com suas subunidades era difícil. Às 20h30 min, os primeiros elementos – o comboio médico – iniciaram a retirada. Seguiram-se o Batalhão do Pacífico e um Batalhão da Legião. Os fuzileiros da Marinha encontraram problemas com a orientação noturna, um dos canhões que levavam e seu veículo de reboque caíram num grande buraco e tiveram de ser deixados para trás. A artilharia alemã contribuía para o caos, abrindo fogo e incendiando vários veículos, as chamas iluminavam tudo. Foi um pesadelo.

Granadas explodiam nas defesas abandonadas e foguetes luminosos lançados de pára-quedas, voejavam sobre a paisagem árida. De ambos os flancos, o fogo de metralhadoras era incessante. Grupos de infantaria empenhavam-se numa luta confusa. O aspirante Bellec, responsável pela orientação da coluna do quartel-general, entrou num campo minado. Fez algumas tentativas para passar, mas houve explosões. Koenig mandou que o grupo se desviasse para o sul, a fim de evitar as minas. Por volta das 3h, alcançou o corpo principal da brigada, que fora retardado por vigorosa oposição dos alemães. Keonig incumbiu o Capitão Lamaze de abrir caminho para a coluna, houve um combate penoso, no qual pereceram o capitão e o arrojado Tenente Dewey. Vários veículos se incendiaram, mas a brigada conseguiu reiniciar o deslocamento, embora tivesse perdido a coesão e fosse totalmente impossível reagrupar. Não obstante, a maior parte da guarnição, de um modo ou de outro, conseguiu chegar ao lcoal de encontro com a 7ª Brigada Motorizada.

                                                                  Patrulha no deserto

De início parecia que as baixas tinham sido muito grandes. Às 7h do dia 11, Koenig e Amilakvari estavam desaparecidos e menos de 1.500 soldados haviam chegado às linhas britânicas. Com o passar das horas, o quadro foi melhorando. Às 8h, a 7ª Brigada Motorizada comunicou que dois mil soldados franceses tinham chegado a salvo.

A defesa de Bir Hakeim teve a grande vantagem de dar tempo ao VIII Exército. Rommel só ficou pronto para iniciar suas operações na tarde de 11 de junho. (...)

O rompimento do cerco de Bir Hakeim, naquela noite negra, perde-se num misto indefinido de recordações. Um sem-número de batalhas em toda a extensão da linha confunde-se com as aventuras individuais e com atos de inexcedível heroísmo.

Nota do GrandesGuerras: o autor servia no 3º pelotão da 3ª Companhia do 1º Batalhão da Legião estrangeira, ligado à 13ª Meia-Brigada da Legião, com honras de combate de Camerone, 1863; Bergevik-Narvik, 1940; Kerem-Massaoua, 1941 e o batalhão sendo comandado pelo Capitão Paris de Bolladière.

O texto reproduzido aqui, por gentil autorização do autor, é parte do capítulo Bir Hakeim do livro, mas não a íntegra do mesmo. Recomendamos a compra do livro, que trata do recrutamento, treinamento e serviço do autor na Legião Estrangeira, bem como outras aventuras durante e depois da guerra.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Um brasileiro na Legião Estrangeira narra a luta. Parte I



Deslocamo-nos de Beirute embarcados em caminhões que seguiram em comboio com destino à Líbia, passando pelo Cairo e por Alexandria. Prosseguimos a viagem por uma estrada asfaltada denominada Via Balbia, construída pelos italianos, e que percorria toda a extensão das costas da Cirenaica e da Líbia, numa distância de 935 milhas até o Egito. Ao cruzar a fronteira egípcia, começamos a encontrar os destroços dos combates que ali se travaram. Eram caminhões e carros de combate destruídos, campos minados, trincheiras, e cercas de arame farpado.

                                                        Acampamento da Legião na Síria


Tínhamos percorrido alguns quilômetros quando fomos atacados por uma formação aérea alemã. Após circular sobre nós uma vez, abriu fogo e nos metralhou. Recebemos ordens para pular dos caminhões e abrigar-nos.

Corremos para os lados da estrada, deitamos no saibro, protegidos por arbustos de meio metro de altura – único abrigo possível. Os aviões que nos atacavam eram Stukas e não perderam tempo. Dando a volta, vieram pela frente do comboio cuspindo fogo e, desta vez, acertaram dois caminhões que explodiram e se incendiaram. Mais uma vez deram a volta e vieram por trás. Para nossa surpresa, porém, apenas sobrevoaram o comboio em vôo rasante e foram embora. Possivelmente estavam sem munição.

Passado o susto, levantamos e corremos a verificar se algum companheiro tinha sido ferido. Felizmente, não. Os dois caminhões queimavam intensamente e as munições e granadas que carregavam explodiam sem cessar, impedindo que alguém se aproximasse para tentar salvar a carga. Afastado o perigo, limpamos a estrada e prosseguimos a viagem. Estávamos chegando à frente de combate e, nesse momento, diante do ataque que acabáramos de sofrer, sentíamos uma grande sensação de impotência – não pudéramos fazer nada para nos defender.

                                                                Bren Carrier da Legião


Quando ocupamos a área que nos coubera na costa, a linha de frente – se era possível assim chamá-la – denominada Linha Gazala, continuava em poder das forças aliadas. Tobruk estava agora ocupada por forças sul-africanas. Sidi rezegh, Belamed, El Aden e Gambut, por forças aliadas e Bir Hakeim, pelos franceses livres. Todas essas localidades eram cercadas por grandes áreas de campos minados, que formavam, no lado dos aliados, a linha de frente.
(...)

A Linha Gazala estendia-se da costa, através do deserto, até Bir Hakeim, resguardada por uma extensa e profunda barreira de minas espalhadas em várias áreas, que protegia uma cadeia de redutos providos de alambrados de arame farpado, trincheiras e casamata. Era defendida por infantaria e blindados das forças britânicas. No reduto de Bir Hakeim, eram responsáveis pela defesa as Forças Francesas Livres, comandadas pelo General Koenig. A 2ª Divisão sul-africanan e a 5ª hindu ocupavam Tobruk. Na retaguarda, o General Ritchie concentrou o grosso de suas forças blindadas, integradas pelas 1ª e 7ª divisões blindadas.


                                                         A posição de Bir Hakeim



O reduto de Bir Hakeim era defendido pela 13ª Meia Brigada da França Livre, comandada pelo General Koenig, que estava assim constituída: dois batalhões da Legião Estrangeira, sob o comando do Tenente-Coronel Amilakvari – um dos batalhões sob o comando do Capitão Babonneau e o outro, do chefe de Batalhão Puchoi; um batalhão de fuzileiros de Marinha, comandado pelo Capítão-de-Corveta Amyot D’Inville; o 1º Regimento de Artilharia do Comandante Laurent Champrosay; um corpo de Engenharia, comandado pelo Capitão Desmaisons; um grupo antitanque, comandado pelo Capitão Jacqoin, a Meia Brigada Colonial, comandada pelo Tenente-Coronel de Roux; o 1º de Infantaria de Marinha, do Comandante Savey; a 22º Companhia norte-africana, comandada pelo Capitão Lequesne – 3.600 homens vindos de todos os horizontes.

Além de Bir Hakeim, o patrulhamento era feito pela 3ª Brigada Motorizada indiana. Ainda além, comandos perambulavam pelo deserto. Parte da brigada indiana, num encontro com forças italianas, depois de combater bravamente, fora aprisionada. Em seguida, seus homens foram libertados e abandonados à própria sorte no deserto, sem equipamentos e sem água. Alguns não resistiram ao sofrimento e morreram. Outros, conseguiram alcançar o reduto onde estavam os franceses livres e juraram se vingar cortando o nariz dos italianos que encontrassem.

Os combates travados pelos franceses livres na defesa do reduto de Bir Hakeim e as batalhas em toda a extensão da Linha Gazala foram violentos, cruéis, destruidores.

A ofensiva de Rommel começou ao amanhecer do dia 26 de maio, com ataques aéreos aos aeródromos britânicos de Gambut e El Arid. À tarde, o Gruppe Cruewell iniciou sua ruidosa demonstração contra a frente da linha Gazala, auxiliado por elementos da principal força de ataque, visando a desorientar os britânicos quanto à direção do próximo ataque. A dissimulação teve sucesso apenas parcial, pois as patrulhas da 7ª Brigada Motorizada britânica já haviam informado a concentração de blindados alemães em torno da Rotonda Segnali. Às 20h30 min, o código “Venezia” foi transmitido aos aparelhos receptores alemães e o Panzerarmee Afrika avançou dentro da noite.

Em Bir Hakeim, o dia 26 de maio começara como todos os outros. O General de Larminat, comandante das Forças Francesas Livres no Deserto Ocidental, visitara a guarnição no dia anterior. Uma coluna comandada pelo Major Amiel operava bem à frente, sob as ordens da 7ª Brigada Motorizada. No começo da noite, Amiel comunicou o maciço movimento de blindados em torno da Rotonda Segnali. Ao anoitecer, uma avalanche de mensagens pelo rádio confirmava a informação de Amiel. Quando os Panzer se aproximaram, o destacamento francês recuou. (...)

Às 4h de 27 de maio, elementos da patrulha de Amiel recuaram para o interior do perímetro defensivo, trazendo a notícia de que forças leves alemães estavam próximas do extremo sul do campo minado. Pouco depois, as linhas terrestres de ligação com a 7ª Divisão Blindada e com o escalão de retaguarda francês ficaram mudas. O pessoal de comunicações que saiu para examinar os fios foi alvo de disparos. Às 7h30min, Koenig recebeu uma mensagem radiofônica da 7ª Divisão Blindada britânica, anunciando que a batalha começara e que a 4ª Brigada Blindada estava prestes a contra-atacar.

                                                           Bersaglieri Italianos no ataque



A brigada [britânica] foi vencida por volta das 6h30 min, após luta feroz mas tristemente desigual. (...)

As forças francesas livres, a postos desde o clarear do dia, aguardavam o ataque. Por volta das 8h, numerosos veículos apareceram ao sul da posição De início pensou-se que se tratava da 4a Brigada Blindada britânica, mas logo o engano se desfez, pois os veículos se desviaram e avançaram em formação de ataque. Eram os tanques M13/40 italianos da divisão Aríete. A primeira leva, integrada por cerca de 50 tanques, atacou a defesa sul às 9h. O ataque italiano foi desfechado com louvável ostentação, e embora as minas e os canhões antitanques tenham cobrado pesado tributo, seis tanques conseguiram entrar na posição e atracaram um posto de comando da legião. O Capitão Otte continuou dando ordens pelo telefone até que um tanque, colocando-se a uns 15 metros de distância, disparou uma granada contra o topo do seu abrigo. Otte queimou o galhardete de sua companhia para evitar que caísse em poder do inimigo. Preocupação prematura, pois alguns tanques inimigos foram liquidados pelos 75 mm, que atiravam a pequena distância; os fuzileiros da marinha também entraram na refrega com os seus Bofors. Os valentes legionários eliminaram os restantes, subindo com decisão por sobre eles e disparando através das fendas de observação dos carros.

Um segundo ataque, desta vez feito por 30 tanques, teve ainda menos êxito. Pouco depois das 10h os italianos se retiraram, tendo perdido 30 tanques, sete deles destruídos por um 75 guarnecido por legionários. Mais de sessenta homens foram aprisionados, entre os quais o coronel-comandante do 132º Regimento Blindado italiano. Esse oficial, embora ferido, mudara de tanque três vezes em virtude da destruição dos anteriormente ocupados por ele. Entre os franceses, somente um ficou ferido. Alguns suprimentos muito úteis foram retirados dos veículos italianos que, a julgar pelo que fora apanhando, eram bem abastecidos; traziam cobertores, presunto, conservas e água-de-colônia.

O ataque da Divisão Aríete, embora desfechado com determinação, fora firmemente repelido; Bir Hakeim não tornou a ser atacado naquele dia. À tarde, a chegada de uma mensagem provocou certa hilaridade. Nela, o coronel britânico que devia ter supervisionado os exercícios dos fuzileiros da marinha com os canhões Bofors lamentava que, devido à situação tática, não poderia realizar o planejado exame.

Houve várias pequenas ações, com patrulhas, na noite de 27 para 28 de maio, mais alguns italianos foram aprisionados. Na manhã do dia 28 houve muita atividade ao sul, onde os aviões da RAF mergulhavam seguidamente sobre as colunas alemãs. Por volta das 10h, o destacamento do Capitão Lamaze, da Legião, que cobria o campo minado norte, deu combate a vários carros blindados italianos a noroeste. Dois desses veículos foram atingidos pelo 75 mm e quatro penetraram no campo minado, onde logo explodiram.

À tarde, a Luftwaffe fez a primeira das suas freqüentes aparições. O Batalhão do Pacífico sofreu seriamente com os bombardeios, mas os fuzileiros da Marinha mostraram sua habilidade com Bofors, derrubando um dos aviões atacantes em meio a espessa cortina de fumaça. Um comboio de abastecimento chegou durante a noite, trazendo 40 toneladas de munição para os 75 mm. Aconteceram outras escaramuças durante a noite de 28 para 29 de maio, e mais italianos foram aprisionados pelos franceses. Durante todo o dia seguinte, o troar insistente das peças de artilharia foi ouvido ao norte, onde ocorria violenta batalha de blindados em torno de Knightsbridge. Rommel continou avançando para o norte durante todo o dia 28.
(...)

Para não perecer, o Afrika Korps precisava sair do anel de ferro em que se achava. Portanto, Rommel se concentrou no golpe contra a 150ª Brigada [inglesa], deixando um anteparo de canhões antitanque, bem temperado com morteiros 88 mm, para deter o restante do VIII Exército Britânico.

Enquanto os blindados alemães se agrupavam no “caldeirão”, as coisas corriam relativamente tranqüilas em Bir Hakein. Os comboios que passavam ao alcance da posição eram sempre atacados e patrulhas saíam à noite para desorganizar o sistema de abastecimento do Eixo.

Houve alguma infiltração inimiga pelo campo minado, ao norte; o destacamento do Capitão Lamaze foi bombardeado fortemente e recuou, temporariamente, para o principal perímetro defensivo.

Em 29 de maio, avolumando-se o número de prisioneiros de guerra, foi improvisada uma cerca para conte-los, e Koenig, elegantemente, desculpou-se com os oficiais capturados por não lhes poder oferecer acomodações mais confortáveis.

No dia seguinte, as patrulhas informaram que em torno de Bir Hakeim a área se encontrava livre de inimigos. Entretanto, eram visíveis os veículos agrupando-se a noroeste, esperando para atravessar o campo minado a fim de reabastecer os blindados de Rommel no “caldeirão”. Koenig intensificou o trabalho de patrulha, mandando também uma bateria de 75 mm juntar-se ao destacamento de Lamaze, para melhor cobrir o campo minado do norte.

No domingo, 31 de maio, não houve sinal de atividade do Eixo em torno de Bir Hakeim. O quartel-general do comando britânico, que repetidamente salientava a Koenig a importância de cobrir o campo minado, apesar de se mostrar satisfeito com o resultado da luta até então, preocupava-se com as brechas ainda existentes. Os tenentes-coronéis Amilakvari e Roux conduziam colunas motorizadas da Legião para hostilizar as forças inimigas através dessas brechas. A patrulha do primeiro obteve êxito considerável, destruindo vários tanques, mas sofreu violento contra-ataque, que causou baixas entre os legionários.

Um grande comboio de abastecimento chegou na noite de 31 de maio para 1º de junho. Com ele, veio o General Laminat, que se congratulou com Koenig e suas tropas, referindo-se elogiosamente ao moral da guarnição. O comboio partiu mais tarde, naquela mesma noite, levando 600 indianos, 170 prisioneiros e vários feridos franceses e do Eixo. Foi, entretanto, atacado no caminho. Granadas de 88 mm caíram alarmantemente perto dos caminhões que transportavam os prisioneiros.

Mensagens de rádio do comando britânico avisavam a Koenig que estivesse preparado para avançar. Assim, o escalão de retaguarda foi concentrado em Bir bu Maafes e a brigada preparou-se para sair.

Em 1º de junho, de junho, de manhã cedo, Koenig recebeu ordem de avançar. Os detalhes do movimento foram incluídos na Ordem de Operações nº 11 de Koenig. O Batalhão do Pacífico lideraria a brigada no avanço, e a coluna do Tenente-Coronel Broche, acompanhada por destacamentos de artilharia antiaérea e antitanque, partiu de Bir Hakeim às 9 h. O restante da brigada preparava-se para acompanhá-la quando chegou uma ordem do comando britânico cancelando qualquer avanço adicional.

A coluna de Broche prosseguiu para oeste e, após destruir um tanque e derrubar quatro aviões, chegou a El Telim ao anoitecer. Durante todo o dia, tanto o batalhão em avanço como a posição principal de defesa em Bir Hakeim foram submetidos a freqüentes ataques aéreos. Doze veículos, inclusive um caminhão de água, um caminhão-tanque de combustível e um caminhão de combate antiaéreo foram destruídos.

Os Stukas, terríveis bombardeiros de mergulho, atiravam-se assustadoramente ao ataque, lançando bombas que levantavam no ar espessa cortina de areia. Apesar de tudo, os fuzileiros da Marinha guarneciam seus Bofors com determinação, e derrubaram quatro Stukas nesse dia. O consumo de munição dos Bofors era qualquer coisa de extravagante. Mil cartuchos haviam chegado com a coluna de abastecimento na noite de 1º de junho, com a promessa de mais. Koenig decidira não descarregar os suprimentos. Um avanço ainda parecia provável, de modo que manteve os veículos à mão, mandando-os acampar mais ao norte, a fim de diminuir o perigo de ataque aéreo.

Na manhã de 2 de junho, Koenig pensou em ir ao quartel-general da 7ª Divisão Blindada a fim de obter informações sobre a batalha. Mas, reconsiderando a decisão, decidiu permanecer em Bir Hakeim, enviando o capitão Tomkins em seu lugar. A decisão de Koenig fora sensata. Tomkins encontrou uma patrulha alemã e foi capturado. Eram muito vagas as notícias sobre o progresso da coluna de Broche, pois o rádio do coronel funcionava mal, embora as demais ligações funcionassem perfeitamente. As mensagens de Broche eram desesperadamente truncadas e só com dificuldade a coluna era contatada.

Pouco depois do amanhecer, o Capitão Lamaze comunicou a presença de numerosos veículos ao norte. Koenig perguntou se ele estava certo de que os veículos eram hostís. Depois de alguma hesitação, seguida do comentário de que havia 50 tanques e 100 outros veículos à vista, ele respondeu que o seu destacamento já estava sendo alvo do ataque dos carros avistados.

Uma mensagem frenética foi enviada ao comboio, acampado fora do perímetro, e os caminhões se dispersaram, perseguidos por explosões de granadas. Nessa época, era normal que a posição, de manhã cedo, fosse envolvida por denso nevoeiro, e o dia 2 de junho não foi exceção. Protegidos por esse nevoeiro, um destacamento de infantaria da Marinha, comandado pelo Capitão Laborde, juntamente com a 22ª Companhia norte-africana, e uma bateria de canhões de 75 mm tomaram o setor desocupado pelo Batalhão do Pacífico. O esperado ataque não se concretizou. Em vez disso, dois oficiais italianos apresentaram-se aos postos avançados da Legião, trazendo uma bandeira branca. O Capitão de Sairgnè conduziu os italianos, de olhos vendados, ao posto de comando de Koenig. Os dois oficiais o cumprimentaram e o mais graduado começou a falar em italiano. Como nem Koenig nem o Tenente-Coronel Masson, chefe de seu estado-maior, entendiam este idioma, tudo quanto lhes foi dito pelo general italiano ficou no ar. Não obstante, pelo que puderam perceber, parecia que o comando do Eixo os aconselhava a render-se para evitar derramamento de sangue.

- Senhores! – respondeu Koenig. Levem a seus superiores nosso reconhecimento pela atitude tomada, mas digam-lhes que não haverá rendição.

Os italianos esforçaram-se, inutilmente, para convencer Koenig a mudar de idéia. Foram conduzidos para fora do perímetro e retornaram às suas linhas. Após a saída dos emissários italianos, Koenig enviou uma mensagem pelo rádio ao Batalhão do Pacífico para que retornasse, mandando também Lamaze “voltar imediatamente, há trabalho para você aqui”. Outra mensagem foi enviada ao esquadrão de retaguarda da brigada em Bir bu Maafes, proibindo-o de avançar. O General Koenig comunicou a seus comandantes de unidade que um ataque era iminente, e disse: “O General Rommel pediu que nos rendêssemos e nos ameaçou de extermínio. Recusei. No caso de uma penetração de tanques e de infantaria em nossas posições, permaneçam em seus postos e combatam o inimigo”.

Durante toda a tarde, quantidade crescente de granadas começou a cair sobre Bir Hakeim, embora os canhões de 75 mm do 1º de Artilharia respondessem dentro de suas possibilidades. O duelo da artilharia foi interrompido por uma repentina tempestade de areia e, com o anoitecer, os disparos foram diminuindo. No começo da manhã seguinte, o Batalhão do Pacífico, tendo sofrido algumas perdas na viagem, retornou a Bir Hakeim e reocupou o seu antigo setor no perímetro.

Quando o sol despontou, anunciando o nascimento de mais um dia sangrento, explosões dos canhões de campanha alemães de 105 mm deram aos franceses a certeza de que a batalha entrara em nova e mais séria fase. A guarnição de Bir Hakeim não fazia idéia da magnitude do conflito que se desenrolava no deserto, ao norte dali.
(...)

O contra-ataque [inglês] de Ritchie, feito depois de prolongada gestação, resultara em fracasso. Tendo eliminado a ameaça ao “caldeirão”, Rommel preparou-se tranqüilamente para cuidar da maior dificuldade de seu flanco – Bir Hakeim.

                                                         Fogo noturno de Bir Hakeim




Enquanto as esperanças britânicas desapareciam na poeira e na fumaça do “caldeirão”, a guarnição de Bir Hakeim era submetida a ataques aéreos cada vez mais pesados. Fontes alemães afirmam que 1.300 surtidas foram feitas contra Bir Hakeim, entre 2 e 9 de junho. Parte do poder de ataque da Luftwaffe fora eliminada pelos aviões da Força Aérea do Deserto, que conseguiram interceptar vários ataques alemães, sobretudo no dia 2 de junho, particularmente feliz para os pilotos aliados.

Nota do GrandesGuerras: o autor servia no 3º pelotão da 3ª Companhia do 1º Batalhão da Legião estrangeira, ligado à 13ª Meia-Brigada da Legião, com honras de combate de Camerone, 1863; Bergevik-Narvik, 1940; Kerem-Massaoua, 1941 e o batalhão sendo comandado pelo Capitão Paris de Bolladière.

O texto reproduzido aqui, por gentil autorização do autor, é parte do capítulo Bir Hakeim do livro, mas não a íntegra do mesmo. Recomendamos a compra do livro, que trata do recrutamento, treinamento e serviço do autor na Legião Estrangeira, bem como outras aventuras durante e depois da guerra.
Fonte deste artigo: Raul Soares da Silveira, Tempos de Inquietude e de Sonho.

Postagem em destaque

Mercenários Brasileiros!! Legião Estrangeira ou Exército Americano?

                                            Os Brasileiros se embrenham em tropas alheias. Lutar mais pelo dinheiro que por patriotismo...